JornalValor--- Página 10 da edição"22/06/2020 1a CAD A" ---- Impressapor LGerardi às 21/06/2020@20:21:1 9
A10|Valor|Sábado,domingoe segunda-feira, 20, 21 e 22 de junhode 2020
Opinião
Transferência de renda,
remédio contra a fome
Doaçãodealimentosemespécieéformaultrapassadade
combateàfome.PorJoséGrazianoe MauroDelGrossi
Garantiralimentação
saudávelatodosé
fundamentalpara
evitarque a fome
volte ao Brasil
A
s sucessivas estimati-
vas sobre o impacto
econômico da pande-
mia da covid-19apon-
tampara umadepressão sem
precedentesno país. Segundoos
livrosde história,as pandemias
que assolaram a humanidade
sempreafetaramos mais pobres;
e são eles que efetivamente aca-
bammorrendopela pobrezaou
pelasmás condições sanitárias
delasdecorrentes.
Aperguntaquesecolocaé:esta-
mos preparados para enfrentar de
novoa fomeno Brasil? Na propor-
ção que se desenha comoimpacto
da covid-19, aresposta énão. Epa-
ra comprovar isso, basta ver o nú-
merocrescente de pessoas que fa-
zem filas intermináveis para rece-
berdoaçõesdealimentosnasinsti-
tuiçõesbeneficentes.
Diante dessas circunstâncias,
expressar solidariedade é vital.
Mas, para supriros alimentosque
todos precisam até ofim dessa
pandemia,elanãoéenãoserásufi-
ciente. Passado o momento crítico
ondeamobilização éintensa, as
doações tendem asereduzir. Ena-
da garanteque no “novo normal”
pós-covid-19,issoserádiferente.
Nesse contexto, éessencial
pontuara prementenecessidade
de uma políticade segurançaali-
mentar robusta, especialmente
em países marcadospor uma
grande desigualdadesocial,co-
mooBrasil.
O indicador maisevidentede
que o nosso país não está prepara-
do para enfrentaramagnitude da
fomeque se avizinhaéoaumento
das iniciativas públicas e privadas
de“distribuiçãodecestasbásicas”.
A distribuiçãode alimentosem
espécie é considerada em todoo
mundomoderno umaforma ul-
trapassada, clientelistae eleitorei-
ra de combate à fome.Só se justifi-
ca -eaindaassimtemporariamen-
teatéqueseimplantemoutrasfor-
mas maisefetivas - em situações
extremas,comoguerrasedesas-
tres naturais, comoseca prolonga-
da, terremoto, inundação,onde os
canais normais de distribuiçãode
alimentosforamdestruídos.
O ProgramaMundialde Ali-
mentos (PMA),por exemplo, faz
isso hojeapenasnos paísesem
guerraou conflitos abertos,co-
mooSudãodoSuleoIêmen.Mas
na maioriados outros países,
mesmoaquelesondehá confli-
tos, as transferênciasmonetárias
(cash transfers) são preferidas
porseremmaiseficientes.Eespe-
cialmentedevidoatrêsfatores.
Primeiro,porquesão proces-
sos muitomaisrápidosesegu-
ros:hoje,comaajudadeaplicati-
vos do celular,você podecadas-
trar as pessoas rapidamente e
mandaro dinheirodiretamente
parasuascontas.
Segundo, porqueas transfe-
rências monetáriasnão envol-
vem questõescomplexasde lo-
gísticade montagemedistribui-
ção das cestas,que sempredão
margema desvios,corrupção, e
outrosfatores.Alémdisso, enca-
receremo valordos produtos
distribuídos,vistoque aprodu-
ção de alimentos tem um custo
relativamentebaixono Brasil;o
que a encareceé justamentea
montagem,transporteeadistri-
buiçãodascestas.
E, terceiroe maisimportante
na atualconjuntura, as cestas
gratuitas levama quedas nos
preçosdealimentosnocomércio
local, contribuindo negativa-
menteparao seu crescimentoe
agravando aindamais acrise
econômicados produtores lo-
cais.A transferênciamonetária
funcionacomefeitocontrário-
permite uma injeçãode dinheiro
na economialocal,oque éum
poderoso estímulo ao aqueci-
mentodaquelecomércio.
E comoisso tem funcionado
noBrasil?.
O Bolsa Família (BFA), quando
instituídopelo governo Lulaem
2003, unificou os diversos cartões
existentes(comooFomeZero,Bol-
saEscolaeoutros)eampliousigni-
ficativamente o programa para to-
dos os municípios do país. OBFA
atingiu em abril deste ano, 14,
milhões de famílias beneficiadas
em 4.734municípios do país,o
que representapraticamente 43
milhõesdepessoas.
Enquantoisso,aprimeiraparce-
la do Auxílio Emergencial já bene-
ficiou quase 60 milhõesem abrile
há pelo menosmais 10 milhões de
novassolicitaçõesemanálise.
Seretirarmosos13,5milhõesde
beneficiadosque tambémfaziam
parte do BFA,teremos 46,5 mi-
lhões de novosbeneficiadosque
podemrepresentar mais de 90 mi-
lhões de pessoas adicionalmente
atendidas pelo AE, consideran-
do-seque cada auxílio pagobene-
ficiaaomenosduaspessoas.
Comonossapopulação atual-
mente éde 211 milhões,acober-
tura do BFA maisoAE passamde
65%,ou seja, praticamente 2de
cada3 brasileiros estãoreceben-
do algumatransferênciaderen-
daduranteapandemia.
Evidentemente há uma série de
fraudesesuperposições dessesbe-
nefícios. Mas,ainda assim, se trata
de umarede emergencial de co-
bertura social invejável paraen-
frentar essapandemia, que a
maioria dos países em desenvolvi-
mentonãotem.
O que fazer entãopara transfor-
maressacoberturaemumaefetiva
mitigação dos efeitos da pande-
mia no aumentoda pobreza?Se-
guramente,asoluçãopassapor
aperfeiçoara cobertura,além de
buscarrapidamente identificar os
maisvulneráveis que precisamde
ajuda; e, claro corrigir as fraudes.
No entanto, há um elemento adi-
cional a considerar: o valor dessas
transferências está muitoaquém
das necessidades básicasdas famí-
liasmaispobresparagarantiruma
alimentaçãoadequada.
Umaprovadissoé a já citada
superposiçãode 95% entreos be-
neficiáriosdoBFAeoAE,queevi-
denciaa insuficiênciado valor
recebidopelasfamíliasdo BFA
para enfrentar a conjuntura
atualde desempregocrescentee
perdade rendadecorrenteda in-
terrupçãodesuasatividades.
Um dadoadicional tomacomo
basea PesquisadeOrçamentos
FamiliaresPOF/IBGE de 2018/19.
No casodas famílias comrenda
totalaté dois saláriosmínimos,as
despesas de consumocorrente -
descontado o aluguelimputado -
atingem R$ 1.235,74 (valor corri-
gido para abril de 2020); eapenas
os gastos comalimentaçãoche-
gam a R$ 329,84.Comoas outras
despesasde consumocorrente,
comoluz, água, gás, são maisdifí-
ceis de comprimir, a tendênciaé
reduzir o valor gastos com ali-
mentação. Exemplojá visível dis-
so em temposde covid-19éare-
dução na compra de produtos
frescos -frutas everduras, princi-
palmente - eoaumento dos pro-
cessados e, piorainda, dos ultra-
processados, umareceita infalível
para aumento da obesidade.
Épor essa eoutras razões que
umapolíticadesegurançaalimen-
tar não podese resumir às transfe-
rências de rendamonetária, emer-
genciais ou não,embora isso seja
fundamentalparaenfrentarapan-
demia e a fome que se seguirão a
ela: outros instrumentos de políti-
cas públicas precisam ser aciona-
dos e fortalecidos,em especial o
PAA(Programade Aquisiçãode
Alimentos da Agricultura Fami-
liar) eoPNAE(Alimentação Esco-
lar)comcompraslocais.
Nessahoraem que estamos
ensaiandouma flexibilização do
isolamentosocial,garantiruma
alimentaçãosaudável atodos-
especialmenteaos maispobres-
é fundamentalparaevitarque a
fomevolteao Brasilnumapro-
porçãodifícildeimaginar.
JoséGrazianoda Silvafoi diretor-geral
da FAO
Mauro Del Grossi,é economistae
professorda UnB
CARLOSBECERRA/BLOOMBERG
Plano para ambiente precisa de
ações rápidase contundentes
C
ercadeumanoemeiodepoisdo
iníciodomandatoiniciadoem
primeirodejaneirode2019,o
governodeJairBolsonaro,
execradopelacomunidade
internacionalpeloseudesprezopela
preservaçãodaAmazônia,tentaproduzir
boasnotíciasnaáreaambiental.Trata-sedo
novoPlanodeCombateaoDesmatamento
Ilegal,queentraráemvigorapartirdejulhoe
vigoraráatémeadosde2023.Tempo
suficiente,portanto,paracomprovarsermais
doqueboasintençõesapresentadasao
públicodomésticoeàcomunidade
internacional.
Oplanotrazummapacompletodecomoo
Estadobrasileirodevepassaraagirpara
enfrentarumproblemacrônico—um
diagnósticorecomendadopor10entre 10
gruposambientalistasbrasileiroseemparte
praticadoporgovernosanteriores,quese
preocupavamrealmentecomaquestão.O
programatemcoerênciaesedizvoltadoa
combaterilegalidades,impulsionariniciativas
capazesdepromoverodesenvolvimento
sustentávelereduzirosdanosprovocadosà
imagemdoBrasilnoexterior.
Odocumentofoiproduzidopelo
MinistériodoMeioAmbiente,maso
vice-presidentedaRepública,Hamilton
Mourão,éoresponsávelporeleepelo
ConselhodaAmazônia.Mourãotenta
reconstruiroscanaisdeinterlocuçãocom
embaixadoreserepresentantesdasociedade
civil,implodidosapósoBrasil,comtotal
descaso—eaçõespremeditadasdotitularda
pasta,RicardoSallesedopresidenteJair
Bolsonaro—apresentaraomundoíndices
alarmantesdedesmatamentoequeimadas
naregiãoamazônica.
OPlanodeCombateaoDesmatamento
Ilegalabrangetodososbiomasbrasileirose
pretendemudaraobradoobradoatual
governodemascarararealidade.
“Considerandoqueosesforçosrealizadosno
passadonãoforamintegralmente
suficientes,ataxadedesmatamentona
AmazôniaLegalvoltouasubir,com
oscilações,apartirde
(Prodes/Inpe.2019).Paraocerrado,ataxade
desmatamentoreduziunoúltimoano.Nos
demaisbiomas,ocálculodastaxasestáem
processodedesenvolvimento”, dizotexto.
Divididoemcincoeixos,oplanoprevê
tolerânciazeroaodesmatamentoilegal,
regularizaçãofundiária,ordenamento
territorial,pagamentoporserviços
ambientaisebioeconomia.Novamenteo
documentopermanecenocampodasboas
ideias,quandofalaemreverteralógicado
desmatamentoilegal,fomentando
atividadeslegaiseformais.
Nestesentido,eleapontaalguns
instrumentosfinanceirosjáregulamentados
noBrasilequepodemserenquadradoscomo
“TítulosVerdes”,comocotasdeFundosde
InvestimentoemDireitosCreditórios(FIDCs),
debêntures,debênturesincentivadasde
infraestrutura,LetrasFinanceiras(LF),notas
promissórias,CertificadosdeRecebíveisdo
Agronegócio(CRAs)eCertificadosde
RecebíveisImobiliários(CRIs).
Estaárea,noentanto,estálongede
permaneceralheiaapolêmicas.Ogoverno
insisteemdestacaraimportânciade
impulsionararegularizaçãofundiáriacomo
meioparaatrairinvestimentossustentáveis,
garantiraproteçãodosbiomasbrasileirose
combaterilegalidades.Argumentaque
precisasaberCPFseCNPJsparaidentificar,
localizarepunireventuaisresponsáveispor
crimesambientais.Noentanto,apresenta
legislaçãoqueéumpresenteparagrileirose
desmatadorescontumazesdafloresta.
Emoutrafrente,apontaanecessidadedese
levaradiantemedidasdeordenamento
territorial,comoobjetivodedefinire
implementardiretrizesdedesenvolvimento
regional.Todoessedebateenfrentaresistências
deambientalistas,quereclamamcomtodaa
razãodafaltadediálogocomoExecutivoe
estãotentandoequilibrarojogonasdiscussões
sobreoassuntonoCongresso.
Critica-se,também,aausênciademetase
datasclaras,alémdodetalhamentodefontes
derecursosparaaimplementaçãodetodas
essasmedidas.Umapreocupação
compreensível,dadaacarênciadoscofres
públicosemtemposdecrise.
Oplanoprega“ambientalismode
resultado”.Éprecisoquenãosejaoresultado
desejadoporSalles,ode“passaraboiada”
enquantoasatençõesdanaçãoestão
voltadasparaomassacredacovid-19.O
governofederaltemaoportunidadedese
redimir,evitandonovosdanosàimagemdo
país.Paraissoterádereinventarsuasideiase
práticas,oquenãoécrívelnomomento.
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