98 NATIONALGEOGRAPHIC
A pressão que exercemos sobre o planeta des-
dobra-se numa imensidade de causas e conse-
quências que conduzem a um clima cada vez
mais inquieto. O aquecimento global é hoje um
dos maiores desafios que o homem enfrenta e a
pecuária uma das principais fontes de emissão
de gases com efeito de estufa para a atmosfera.
Durante o processo de digestão, os ruminantes
produzem metano como subproduto da fermen-
tação microbiana anaeróbica dos alimentos no
rúmen e, em menor grau, no intestino grosso. Ao
contrário do que a literatura popular sugere, ape-
nas 10% destas emissões acontecem através do
flato. Os restantes 90% de metano são libertados
pela boca do animal. Embora a emissão antropo-
génica de dióxido de carbono seja evidentemente
superior em todo o planeta, a eficácia do metano
na retenção de calor na atmosfera pode ser 28 ve-
zes superior à do dióxido de carbono.
Para transmitir a ideia do que isso representa
e de qual o tamanho da pegada ecológica da pe-
cuária relativamente ao aquecimento global, é
habitual nas conferências apresentar-se o exem-
plo do Brasil, que dispõe hoje do maior stock de
gado vivo do mundo. Segundo a Agência para a
Alimentação e Agricultura das Nações Unidas,
um bovino leiteiro, no Brasil, liberta em média
72 quilogramas de metano por ano, enquanto um
bovino para produção de carne liberta cerca de
56 quilogramas. Em 2017, a proporção de cabeças
de gado leiteiro e de gado de carne no Brasil era
de 17 milhões e 197 milhões, respectivamente.
Todas essas cabeças de gado são responsáveis,
num único ano, pelo total catastrófico de 12 mi-
lhões de toneladas de metano libertadas para a
atmosfera. Pior: o investimento no sector agríco-
la colocou o Brasil no topo da produção mundial
de gado bovino e, em pouco mais de 50 anos, o
stock nacional aumentou em mais de 158 milhões
de cabeças de gado.
Entra em cena a experiência de Dorgan na cos-
ta canadiana.
E
M 2014, UMA ALGA VERMELHA
despertou a curiosidade da
comunidade científica pelo seu
potencial para produzir uma
redução significativa dos níveis
de metano libertados pelos
ruminantes de todo o mundo. Tudo começara
muito antes, na exploração da família de Joe Dor-
gan, que gostava de levar o gado a vaguear pelas
praias da sua região.
A pastorícia costeira não é um devaneio con-
temporâneo nem uma experiência new age. Al-
guns documentos sobre a agricultura da Grécia
Antiga e o célebre “Livro das Sagas” da Islândia
mostram que os pastores levavam frequente-
mente o gado a vaguear pelas praias. Mas o que
lhes dizia afinal o conhecimento empírico pro-
duzido por centenas de anos de pecuária?
Voltemos então à ilha do Príncipe Eduardo e à
exploração de Joe Dorgan. A família deste criador
canadiano constatou ao longo dos anos que as va-
cas que passavam mais tempo na costa, alimen-
tando-se das algas trazidas pelas tempestades,
eram consideravelmente mais saudáveis, tinham
melhor taxa de crescimento, reproduziam-se mais
rapidamente e produziam mais leite, compara-
tivamente às manadas mantidas longe da costa.
As evidências pareciam claras por muito que não
existisse uma explicação lógica para o fenómeno.
Quando se reformou, em 2011, o velho curio-
so decidiu aprofundar o conhecimento sobre os
benefícios das macroalgas para a saúde animal e
desenvolveu um novo negócio centrado na dis-
tribuição de ração orgânica para gado, aprovei-
tando a circunstância de, naquela ilha, milhares
de toneladas de algas serem trazidas anualmen-
te para a costa por força das tempestades.
Para acrescentar valor ao seu produto e con-
seguir a confiança do mercado, Dorgan recorreu
ao investigador e ambientalista Robert Kinley da
Universidade Dalhousie na Nova Escócia, que
submeteu o gado a testes para provar os benefícios
que Dorgan já conhecia. Na sua perpétua ambição
de contribuir para um planeta melhor e mais sus-
tentável, Kinley levantou uma questão que nunca
passara pela cabeça de Dorgan: que efeito terão
as algas nos níveis de metano libertados pela fer-
mentação entérica destes ruminantes?
“Eu suspeito de tudo”, conta Kinley, numa en-
trevista feita por videoconferência. “Essa infor-
mação não era necessária para que ele pudesse
colocar o produto no mercado, mas como podia
testá-lo, testei. Monitorizei as emissões de me-
tano e identifiquei reduções de cerca de 20%
nos animais alimentados com a mistura de al-
gas que Dorgan produzia.”
A surpreendente descoberta levantava agora
muitas outras questões. Será o efeito antimeta-
nogénico comum a todas as espécies de algas?
Haverá espécies mais eficazes na inibição de
metano? Que substância natural está presente
nas algas que lhes confere estas propriedades
antimetanogénicas?