National Geographic - Portugal - Edição 232 (2020-07)

(Antfer) #1
apenas uma rota que parecia compatível com o
atalho de Xu. Através de um processo de elimina-
ção de hipóteses e de uma análise pormenorizada
das caraterísticas do terreno, Tom reduzira as op-
ções a uma única fenda que acreditava ser o local
onde se encontrava o corpo de Irvine e determina-
ra a latitude e longitude exactas desse ponto.
Apontei para o círculo desenhado na fotografi a.
“Qual a probabilidade de ele estar mesmo aqui?”
“Não é possível que não esteja”, disse Tom.

“Os meus olhos fi xaram-se na silhueta de uma
minúscula mancha negra numa pequena crista de
neve”, escreveu Odell no seu relatório de 14 de Ju-
nho. “Então, a primeira aproximou-se do grande
degrau de rocha e, pouco depois, emergiu no topo.
A segunda fez o mesmo. Depois, aquela fascinante
visão desapareceu, envolta de novo numa nuvem.”


ATÉ AGORA eu resistira à ideia de escalar o Eve-
reste, desmotivado por histórias sobre as multidões
e a transferência de risco para a equipa de apoio,
constituída maioritariamente por sherpas que car-
regavam o peso de todos os egos sobre os seus
ombros e, por vezes, pagavam com a vida quando
Qomolangma (o nome tibetano da montanha) mos-
trava o seu descontentamento com tempestades,
terramotos e avalanchas.
Essa era uma das razões pelas quais eu nunca
percebi a obsessão de Thom Pollard com o pico.
No entanto, à medida que falávamos, a história
de Mallory e Irvine intrigava-me cada vez mais.
Pollard falou-me de Tom Holzel, um escritor e en-
tusiasta do Evereste de 79 anos que passara mais
de quatro décadas a tentar resolver este mistério.
Em 1986, Thom liderara a primeira expedição
em busca de Mallory e Irvine na companhia de
Audrey Salkeld, uma proeminente historiadora do
Evereste. Contudo, nevões invulgarmente fortes
naquele Outono impediram a equipa de subir su-
fi cientemente alto pelo lado chinês da montanha.
O corpo de Mallory foi posteriormente encontrado
a 35 metros do local proposto por Tom Holzel.
A sua ideia seguinte foi utilizar uma fotografi a
aérea captada no âmbito de um projecto carto-
gráfi co do Evereste fi nanciado pela National Geo-
graphic para tentar descobrir o local exacto da
montanha onde um alpinista chinês dissera ter
visto o corpo de Irvine. Xu Jing era líder-adjunto
da expedição chinesa que concretizara a primeira
subida ao Evereste pela vertente Norte, em Maio
de 1960. Segundo o seu relato, depois de desistir
de alcançar o cume, Xu seguiu por um atalho ao
longo da Faixa Amarela e viu um cadáver antigo
dentro de uma fenda a 8.300 metros de altitude.
À data deste avistamento, as únicas duas pessoas
que tinham morrido àquela altitude na vertente
norte do Evereste tinham sido Mallory e Irvine.
Quando Xu apresentou o seu relato, em 2001, os
restos mortais de Mallory já tinham sido encon-
trados num ponto mais abaixo da montanha.
Quando eu e Thom Pollard visitámos Tom Hol-
zel em Dezembro de 2018, ele mostrou-nos a sua
ampliação com 2,5 metros da fotografi a: havia


D

O
GRANDE
MISTÉRIO
DO
EVERESTE

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De mais do que uma
forma, foi por mero
acaso que Irvine chegou
ao Evereste.

O jovem tímido e atlético de
21 anos ainda estava a estudar
em Merton College, na Uni-
versidade de Oxford, quando
o Comité do Monte Evereste o
convidou para se juntar à ex-
pedição em 1923. Ao contrário
dos membros mais experientes
da equipa britânica, Irvine ti-
nha pouca experiência de escalada.
No entanto, quando o grupo chegou à monta-
nha, o membro mais jovem da equipa conquistara
o respeito dos seus colegas de equipa e revelara
a sua utilidade, redesenhando completamente o
seu moderno equipamento de oxigénio.
Alguns meses antes da nossa própria expedi-
ção, em 2019, desloquei-me a Inglaterra para visi-
tar o Arquivo Sandy Irvine, em Merton. Por coin-
cidência, o meu avô frequentara Merton alguns
anos depois de Irvine. O arquivo é constituído
por 25 caixas de documentos, fotografi as e outras
recordações, incluindo o diário do Evereste, de
Irvine, recuperado na montanha após o seu de-
saparecimento. Com cerca de 20 centímetros de
comprimento, 13 de largura e uma capa de tecido
preto, o caderno capta o en-
tusiasmo juvenil de Irvine.
O arquivista Julian Reid
trouxe-me um livro, pou-
sando-o sobre uma espon-
ja protectora. Folheou-o
até à última entrada e
disse-me: “Quando o leio,
fi co com os pêlos da nuca
arrepiados.”
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