National Geographic - Portugal - Edição 232 (2020-07)

(Antfer) #1
AIMINENTECRISEDAÁGUA 39

A
IMINENTE
CRISEDA
ÁGUA

à escassez da água. Tem-se registado um claro
aumento das chuvas torrenciais. Em Agosto de
2010, quando já estava cheio devido às águas do
degelo de Verão, o Indo sofreu os efeitos de uma
monção anormal. A chuva torrencial correspon-
deu, em certas regiões, ao volume de um ano in-
teiro no espaço de poucas horas. Assim, o Indo
transpôs as margens no seu curso meridional.
Mais de 1.600 pessoas morreram e os prejuízos
elevaram-se a 8,8 mil milhões de euros.
“Nunca se assistira a uma cheia daquela di-
mensão”, afi rmou Usman Qazi, residente em Is-
lamabad, especialista em intervenções de socorro
após catástrofes do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento. “Mas vai tornar-se mais
frequente”, acrescentou. “As cheias associadas ao
clima são um dos maiores perigos deste país.”


Esta é a mudança mais sinistra ocorrida desde
que escrevi o meu livro: agora, o espectro das al-
terações climáticas paira sobre todos os debates
referentes ao futuro do Indo. O desafi o torna-se
mais complicado devido ao facto de o Indo e cinco
dos seus afl uentes serem partilhados pela Índia
e pelo Paquistão, vizinhos e inimigos desde 1947,
enquanto a China controla as nascentes. Quando
cheguei ao Tibete em 2006, fi quei chocada ao sa-
ber que não corria água no Indo: a China represara
recentemente as águas no curso superior do rio.
A Índia, o Paquistão e a China têm populações
gigantescas. Os três países possuem armas nuclea-
res. Quando pensamos em alterações climáticas,
imaginamo-las graduais, quase imperceptíveis. Ao
longo do Indo, elas podem desencadear um confl i-
to que mudará o planeta de um dia para o outro.

ÍNDIA
Funcionários da empresa
de electricidade ligam
uma casa à rede em
Saboo, no Ladakh.
O governo indiano tem
promovido a construção
de aproveitamentos
hidroeléctricos na bacia
hidrográfica do Indo, a
custos elevados e com
fortes repercussões
ambientais – mas
também com benefícios.
Em 2013 a cidade de Leh,
capital do Ladakh,
substituiu os geradores a
gasóleo por energia
hidroelétrica mais limpa.

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N


Noutros tempos,
os seres humanos
sentiam-se tão gratos
pela existência dos rios
que os transformaram
em divindades.

No Rig Veda, o mais antigo texto
sânscrito da Índia, o Indo é o
único rio venerado como deus e
como deusa, pai e mãe. Na
opinião dos especialistas, isso
deve-se,
provavel-
mente, ao facto de ter sido
aqui, no vale do Indo, que
o hinduísmo assumiu a
sua primeira forma.
A norte de Kangrinbo-
qe, o grande rio emerge do
solo a borbulhar modes-
tamente, como se aquela
deusa de quatro braços
estivesse a expirar. Corre
para oeste, atravessan-
do as montanhas, ao longo do Norte da Índia, e
transpondo a disputada fronteira com o Paquis-
tão. No lugar onde os Himalaia se encontram
com o Caracórum e o Indocuche, num nó feito de
pedra e gelo, o rio faz uma curva brusca para a
esquerda e é condicionado para sul, percorrendo


  1. 600 quilómetros através das planícies do Pun-
    jab e do Sindh até desaguar no mar da Arábia.

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