National Geographic - Portugal - Edição 232 (2020-07)

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A falta de água nos dois lados da fronteira atin-
giu níveis críticos. No Punjab indiano, as dívidas
empurram cerca de mil agricultores para o sui-
cídio todos os anos. O bombeamento das águas
subterrâneas é um processo dispendioso: todos os
anos são precisos furos mais profundos, à medi-
da que os lençóis freáticos vão baixando. A dimi-
nuição do volume dos aquíferos é provocada pela
cultura do arroz, um cereal sedento de água. En-
tretanto, as águas fluviais são transvasadas para
lugares tão distantes como o Rajastão.
Do outro lado da fronteira com o Rajastão, na
província paquistanesa de Sindh, desloquei-me a
uma região do deserto de Thar irrigada por canais.
A água de regadio provinha de um local a quase
300 quilómetros de distância – a Barragem de
Sukkur, no Indo, construída pelos britânicos em


  1. Aqui, no final do sistema de irrigação, mu-
    lheres e crianças trabalhavam nos campos, fazen-
    do a colheita das famosas malaguetas Dundicut.
    A safra de 2019 fora um fracasso, explicou Mian
    Saleem, presidente da Associação de Cultivadores
    de Malagueta do Sindh. Condições climáticas ex-
    tremamente desfavoráveis reduziram a colheita
    em dois terços. Em Maio, as temperaturas atin-
    giram 47ºC, fazendo murchar as malaguetas. De-
    pois, veio “chuva em Outubro, pela primeira vez
    na minha vida”, disse Saleem. A colheita foi atra-
    sada e os frutos apodreceram.
    Na aldeia de Rano Khan Rahimoon, conversei
    com meeiros sem terra, hindus e muçulmanos
    que vivem lado a lado em casas de adobe pintadas.
    Dedicam-se ao plantio de malaguetas e outras
    culturas de rendimento e mostraram-se eloquen-
    tes quanto à identificação do seu maior problema:
    a água. “Às vezes, vem água do canal, outras vezes
    não”, contou Attam Kumar, de 28 anos.
    “O problema divide-se em três partes”, pros-
    seguiu. “Escassez de água nos canais, monções
    invulgarmente fortes e esta água subterrânea en-
    venenada que somos obrigados a beber.” Os po-
    ços foram poluídos pelo escoamento de campos
    adubados. Kumar levantou a camisa de Salaam,
    um rapaz de 11 anos, para me mostrar a cicatriz
    de uma intervenção cirúrgica aos rins. Quatro dos
    150 aldeãos já tinham sido sujeitos a nefrectomias.
    Na manhã seguinte, tomei chá com um pro-
    prietário de terras e antigo ministro federal e de-
    pois conversei com o gerente de uma plantação
    de mangueiras, que cultiva um roseiral no deser-
    to. Os dois homens queixaram-se das recentes
    variações erráticas do clima,enquanto abriam
    garrafas de Evian.


QUANDO A INDEPENDÊNCIA foi declarada em 1947
e a divisão da antiga colónia britânica criou a Índia
e o Paquistão, ambos os países ficaram com menos
do Indo do que pretendiam. A longa secção seten-
trional, que flui para oeste, situa-se no antigo prin-
cipado de Jammu e Caxemira e os dois países
pretendiam a totalidade do território. A fronteira
que divide Caxemira ainda é tensamente disputada.
A jusante, nas férteis planícies do Punjab, os
britânicos tinham construído represas e barra-
gens no Indo e seus afluentes, desviando água
para alimentar uma vasta rede de canais de irriga-
ção. No Punjab, a nova fronteira dividiu os cursos
de cinco afluentes, dando ao Paquistão a maior
parte dos povoados com explorações agrícolas em
torno dos canais, mas deixando à Índia as águas
do rio Sutlej, em Firozpur.
A administração pública do lado indiano afir-
mou de imediato o seu poder na Primavera de
1948, encerrando as comportas de entrada, o que
reduziu consideravelmente o caudal no Paquis-
tão. As comportas foram reabertas semanas mais
tarde. No entanto, como me explicou Majed Akh-
ter, geógrafo do King’s College de Londres, esse
gesto deliberado da Índia foi visto pela adminis-
tração pública paquistanesa como um acto de
“violência inicial”.
O Paquistão obteve algumas garantias em 1960,
quando o Banco Mundial persuadiu os dois paí-
ses a assinarem o Tratado das Águas do Indo.
O tratado dividiu a bacia hidrográfica do rio, con-
cedendo a água do Indo e de dois afluentes a oeste
ao Paquistão, enquanto os
afluentes situados a leste
foram entregues à Índia.
O Paquistão finalizou a
Barragem de Tarbela em



  1. A Índia completou o
    Canal Indira Gandhi, com
    640 quilómetros, em 1987,
    conduzindo as águas e a
    revolução verde para sul do
    Punjab, alcançando o de-
    serto de Thar, no Rajastão.
    Analistas dos dois países
    concordam que os canais, ao fornecerem água em
    abundância a um custo artificialmente reduzido,
    incentivaram o desperdício. “Cultivamos arrozais
    no deserto!” exclamou Ali Tauqeer Sheikh, mem-
    bro do Conselho Nacional para as Alterações Cli-
    máticas do Paquistão. Os grandes agricultores for-
    mam a “elite política e recusam-se simplesmente
    a atribuir um preço à água”.


A
IMINENTE
CRISE DA
ÁGUA


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(Continua na pg. 50)

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