AIMINENTECRISEDAÁGUA 51
A
IMINENTE
CRISEDA
ÁGUA
PÁGINA
micos e a sua infiltração nas águas subterrâneas. 51
Segundo Abbas, o resultado é o seguinte: “Agora
retiramos do rio dez vezes mais água do que pre-
cisamos”. A água é escassa e poluída numa terra
onde foi, outrora, abundante e limpa.
À semelhança de muitos especialistas em re-
cursos hídricos com quem falei, Abbas defende
uma reforma radical do sistema. Quer no Paquis-
tão quer na Índia existem tradições ancestrais de
aproveitamento da água, adaptadas aos ritmos do
rio e das chuvas, que foram negligenciadas desde
a administração britânica. Em vez delas, os dois
países privilegiaram projectos gigantescos de en-
genharia, de barragens e canais.
As alterações climáticas, argumenta Abbas, po-
dem ser uma bênção para o Paquistão, na medida
em que são um incentivo para repensar o sistema.
O país pode fazer a transição, passando de dispen-
diosas barragens hidroeléctricas para energia so-
lar barata. Pode substituir o regadio de inundação
pela irrigação gota-a-gota. E pode recuperar as
zonas húmidas e as florestas num corredor ao lon-
go do Indo e dos seus afluentes. As barragens e as
albufeiras fornecem ao Paquistão água suficiente
para apenas 30 dias em caso de seca.
Segundo este especialista, a captação das águas
pluviais e fluviais poderia mesmo reabastecer o
aquífero existente sob Carachi, a capital comer-
cial do Paquistão. Situada nas margens do delta
do Indo, é uma das cidades do planeta que mais
sofre de stress hídrico: os seus quinze milhões de
habitantes esgotaram a água do aquífero. O lago
Kinjhar, uma albufeira alimentada pelo Indo a
100 quilómetros de distância, é a fonte de abaste-
cimento de água mais próxima.
AO APROXIMAR-SE DO MAR, o rio quase deixou de
existir. Numa viela da aldeia piscatória de Goth
Ibrahim Haidri, nos arredores de Carachi, passei por
uma fila de mulheres que aguardavam para enche-
rem os cântaros com a água trazida por um camião-
-cisterna. Disseram-me que estavam à espera há três
dias. Os ricos reservam a maior parte da água doce
disponível no Indo e nos seus lagos, muitas vezes
comprando-a ilegalmente. Os pobres aguardam na
fila e compram água salobra mais barata.
Ao pôr do Sol, contemplei junto do mar as em-
barcações de pesca de madeira que regressavam
ao porto. Mohammad Ali Shah, chefe do Fórum
dos Pescadores do Paquis-
tão (PFF), cresceu aqui e
nadou no mar quando era
criança. Agora, nunca dei-
xaria os seus netos fazê-lo
- está demasiado poluído.
O PFF faz campanhas
em prol da aprovação de
uma lei que conceda perso-
nalidade jurídica e direitos
ao rio Indo. No projecto de
lei, o Indo é definido como
“maravilha ecológica” com
“um valor que ultrapassa a sua utilidade para os
seres humanos”. Propõe a inspecção dos projectos
hidroeléctricos, o controlo da poluição e a criação
de um fundo para recuperar o rio.
O projecto é radical de mais para ser transfor-
mado em lei. No entanto, algo precisa de mudar ao
longo do Indo. A alternativa, em que o rio continue
a ser desperdiçado, é demasiado aterradora. j
PAQUISTÃO
Crianças vão buscar
água a uma central de
filtragem nas margens
do lago Manchar, no
Sindh. O maior lago de
água doce do Paquistão
é alimentado pelo Indo.
No entanto, os transva-
ses de água a montante
provocaram a sua
estagnação e o
escoamento agrícola
que afluiu ao lago matou
a maior parte dos
peixes, tornando a água
demasiado poluída para
poder ser consumida
sem tratamento.