UM EXEMPLO NO SUL 75
Kris Tompkins recebeu a notícia pelo telefone e
conduziu durante seis horas até ao hospital onde
foi declarado o óbito do seu marido. “O facto de
ele ter partido tão depressa condiz com a essên-
cia do nosso casamento”, diz. “A dor é apenas um
prolongamento da relação que tínhamos.” Vidas
intensas partilhadas, dor intensa. Assim seja.
Durante os anos que passaram juntos, a alcunha
aeronáutica de Kris para comunicarem através
da rádio era Picaflor, beija-flor em espanhol. A de
Doug Tompkins era Aguila, que significa “águia”.
Entre os dois, de forma mais íntima, estes nomes
davam lugar a “Lolo” para ele e “Birdie” para ela.
Mas se fosse uma ave, ela seria um painho, valente
e fustigado pelo vento, não um beija-flor. A prová-
-lo está a sua dedicação fervorosa ao projecto. “Foi
isso que me impediu de partir atrás do Doug”, diz.
Chegou a ponderar desistir.
Em vez disso, concentrou-se de novo no objec-
tivo, transformando as propriedades num mara-
vilhoso leque de parques nacionais, espalhados
pelo Chile e pela Argentina. Demorou três anos,
mas o processo acelerou rapidamente. Duas se-
manas depois de enterrar o marido, ela chegou a
acordo para proteger um enorme ecossistema de
zonas húmidas conhecido como Iberá, no Norte
da Argentina. E no final de Março de 2019, assinou
um compromisso com o governo do Chile para
juntar mais de quatrocentos mil hectares de ter-
ras dos Tompkins a quatro milhões de hectares de
terras do Estado para criar cinco parques nacio-
nais e ampliar três dos já existentes. Aquela que
foi em tempos a reserva privada de Pumalín é ago-
ra o Parque Nacional Pumalín Douglas Tompkins.
DEPOIS DE ALMOÇARMOS na estalagem, Kris leva-
-me num passeio para apreciar a paisagem local.
Fazemos uma pausa num cemitério minúsculo,
delimitado por uma vedação com pilares de pedra,
com dez sepulturas assinaladas por cruzes de
madeira, pequenos santuários e uma laje de pedra
vertical na qual estão gravadas as palavras:
DOUGLAS RAINSFORD TOMPKINS
BIRDIE & LOLO
03-1943 12-2015
Os funcionários da fundação escolheram a ins-
crição da lápide sem a consultar, mas Kris concor-
da com ela. Ela é vigorosa e nada sentimentalista
quando fala sobre o marido. No entanto, esse ca-
rácter prático não significa que ela não seja emo-
tiva e, por vezes, diz-me, vai visitar a campa e fica
ali sentada, em silêncio, a recordar em comunhão.
O trilho pedonal serpenteia entre colinas ro-
chosas e planícies de vegetação arbustiva espi-
nhosa. Estes arbustos, vistos à distância, parecem
cabeças de coral. O trilho atravessa um riacho
sombreado por faias e, depois, sobe até um local
de acampamento simples, mas bem preservado
para os visitantes, curvando em seguida para trás,
em direcção à sede do parque. A certa altura, re-
paro numa pequena pilha de excrementos secos
e brancos como ossos. Sim, são de puma, diz Kris,
pegando num pedaço e abrindo-o para me mos-
trar o pêlo compactado. O aumento da população
de pumas no vale de Chacabuco é um dos indi-
cadores do regresso ao estado selvagem, um dos
grandes objectivos das terras dos Tompkins no
Chile e na Argentina, que perderam parte da sua
fauna autóctone.