NATIONALGEOGRAPHIC
GRANDE ANGULAR | GRAFENO
De regresso à Cidade dos Arcebispos, é precisa-
mente um dispositivo médico que se encontra em
testes na bancada do INL, confirmando que a saúde
é um dos principais focos desta unidade de investiga-
ção e desenvolvimento tecnológico. Sinal da relevân-
cia científica do grafeno foi a atribuição, pela
Fundação Calouste Gulbenkian, do Prémio Ciência
ao físico teórico Nuno Peres, também considerado o
cientista português mais citado no mundo, que vem
estudando no INL a forma como o grafeno interage
com a corrente eléctrica e de que maneira absorve a
luz, trabalho esse que deu ainda origem a um artigo
publicado na prestigiada “Science”, em 2012.
Jérôme Borme, um afável investigador francês
radicado em Portugal, conduz-nos pelo labirinto
de salas repletas de máquinas do tamanho de um
camião e que são uma metáfora moderna da Torre
de Babel, tal a diversidade de feições que nos fitam
e das línguas que se escutam.
Chegamos por fim a um laboratório abundante-
mente iluminado. Escassos minutos volvidos,
fixado com cuidado milimétrico pela mão precisa
de Jerôme, um biossensor do tamanho de um
pequeno cartão de memória SD é testado.
O investigador esclarece que o seu desenvolvi-
mento tem o objectivo de proporcionar análises in
situ e resultados rápidos, que hoje exigem complexos
equipamentos e processos laboratoriais, e que
poderá vir a ser utilizado em cenários de catástrofes
naturais ou rastreamento de doenças em regiões
remotas. Na escala TRL, que mede o nível de ade-
quação tecnológica de uma solução para um pro-
blema concreto, originalmente desenvolvida pela
Agência Espacial Norte-Americana (NASA), que vai
de 1 a 9, encontra-se já no nível 4, significando que
a tecnologia foi validada em ambiente laboratorial
e tem viabilidade para desenvolvimento continuado.
Da ponta afilada da pipeta, cai uma gota translú-
cida, que brilha com laivos multicoloridos. Poderá
vir a ser de sangue, saliva ou outro material genético.
Num futuro não muito distante, um destes disposi-
tivos salvará milhares de vidas. E tudo começou num
material abundante na natureza e que, na viragem
para o século XX, era quase desconhecido.
O CIDADÃO COMUM tarda em compreender a excitação
que esta revolução provocou na comunidade cien-
tífica, mas as múltiplas aplicações do material e as
áreas de grande impacte onde ele será aplicado
justificam o entusiasmo. Além da protecção de
dados que a já referida blindagem electromagnética
proporciona (que pode ser também utilizada no
revestimento de bolsos ou carteiras, protegendo
telemóveis e cartões bancários, ao eliminar a inter-
ferência rádio e electromagnética), a boa conduti-
vidade eléctrica permite a aplicação em inúmeros
equipamentos electrónicos.
Um dos principais trunfos tecnológicos do gra-
feno é a diminuição de peso, que poderá também
abrir novas portas à redução do consumo energético
em aeronaves ou automóveis. Um carro normal tem
dois a três quilómetros de cablagem eléctrica. Com
a óptima condutividade do grafeno, poder-se-á bai-
xar 75% o peso destes componentes, por substitui-
ção dos metais usados, o que aumentará indirec-
tamente a autonomia e eficiência dos emergentes
veículos eléctricos.
A flexibilidade mecânica, por outro lado, faculta
utilizações em fibras têxteis que permitam a ilumi-
nação ou o aquecimento, ou em circuitos impressos
aplicados sobre folhas de acetato extremamente finas
e não rígidas. Ecrãs flexíveis, que começam agora a
surgir em telemóveis, são outra aplicação óbvia.
A panóplia de utilidades parece não ter fim.
Bruno Figueiredo aproveita para, com algum
humor, descrever um dos mais improváveis projec-
tos que tem sido idealizado, e cujo material-base
é... o mirtilo. Usando um subproduto deste fruto,
produzido na vizinha serra do Caramulo, é possível
extrair um tipo de moléculas, as antocianinas, para
as usar com o grafeno na produção de painéis sola-
res flexíveis. As unidades resultantes são translú-
cidas, embora ligeiramente menos eficientes (2 a
5%) do que as tradicionais. No entanto, estes painéis
podem vir a ser aplicados em paredes externas de
edifícios, possibilitando a reutilização de 100 tone-
ladas de desperdício desta biomassa!
Talvez o uso mais revolucionário seja na área da
saúde. Ainda em fase de desenvolvimento, vários
dispositivos já integram o grafeno. Um deles, no
âmbito de um projecto europeu liderado pela Uni-
versidade de Aveiro, procura a cura para a paralisia
por danos na espinal medula: para a reparação, é
estimulada a produção de células saudáveis sobre
um implante tubular, depois aplicado no corpo do
paciente. A Graphenest colabora no desenvolvi-
mento do circuito elétrico que promove a estimu-
lação, estando para breve testes in vivo.
Com instrumentação colorida
e frascos borbulhantes, a
antiga fábrica de massas
deixaria invejoso Doc Brown,
o excêntrico cientista do filme
“Regresso ao Futuro”.