38 Le Monde Diplomatique Brasil^ AGOSTO 2020
NOVAS NARRATIVAS DA WEB
Sites e projetos que merecem seu tempo
POST-NORMAL TIMES
Publicado em 2019, o projeto em formato
livro e site é o foco das pesquisas do Cen-
tro de Políticas Pós-Normais e Estudos
do Futuro, um grupo de pesquisa interna-
cional que observa principalmente as so-
ciedades marginalizadas e muçulmanas.
A teoria que os autores desenvolvem diz
que os tempos atuais vivem sob três re-
gras: complexidade, caos e contradições.
Vivemos numa era em que velhas ortodo-
xias estariam morrendo, novas estariam
emergindo e poucas coisas fazem sentido.
Como o projeto é anterior ao coronavírus,
ganhou uma edição extra, com um blog
que traz novos textos, atualizados.
<https://postnormaltim.es>
ACERVO VLADIMIR HERZOG
Um site com quase 2 mil fotos, correspon-
dências e outros itens recupera a história
do jornalista morto no período da ditadura
militar no emblemático caso em que os
militares tentaram forjar um suicídio e que
deu início a diversas manifestações que
serviram para aumentar a pressão para o
fim do regime. Biografia, linha do tempo
e memórias, fruto de dois anos de pes-
quisas, compõem o acervo, entre outros
formatos. Apenas em 2013 a certidão de
óbito do jornalista foi retificada, desman-
telando finalmente a farsa do suicídio. Lá
se pode ler o documento.
<www.acervovladimirherzog.org.br>
MUSEU DA ARTE COVID
Covid Art Museum é um projeto de publici-
tários espanhóis, Irene Llorca, José Guer-
rero e Emma Calvo, que convida artistas
do mundo todo a compartilhar obras feitas
durante a pandemia. Segundo eles, é o
primeiro museu de arte do mundo surgido
durante a crise de Covid-19. Uma conta no
Instagram publica as contribuições, que
podem ser fotografias, ilustrações, vídeos,
pinturas, animações e formatos dos mais
variados. Mais de quinhentas publicações
já foram feitas.
<www.instagram.com/covidartmu-
seum/>
[Andre Deak] Diretor do Liquid Media
Lab, professor de Jornalismo e Cinema na
ESPM, mestre em Teoria da Comunicação
pela ECA-USP e doutorando em Design
na FAU-USP.
livros internet
A
caba de chegar ao Brasil o novo livro de Chantal
Mouffe, Por um populismo de esquerda. O títu-
lo, provocador, é um chamado à ação política e soa
especialmente provocativo no atual contexto brasi-
leiro. Já no início a autora apresenta seu diagnóstico
central, cujo foco é, vale salientar, a Europa: a crise
da formação hegemônica neoliberal produziu o mo-
mento populista que marca a atual conjuntura. Ter-
-se-ia aberto, assim, nesse momento, a possibilida-
de de construção de uma ordem mais democrática.
Não se entende o livro sem esse retorno: o aban-
dono de canais agonísticos capazes de expressar
os conflitos e as divergências de visões e interes-
ses – traço inerente ao político – e a adoção de um
O
livro reúne uma série de reportagens, feitas en-
tre 2017 e 2019, mas não se resume a isso:
apesar de o título ser extenso, há uma aposta qual-
quer, ainda que mínima, em duplicar e serializar
esses textos, colididos e organizados como uma
espécie de corpus em deslocamento pela Amazô-
nia de hoje. Como se, mesmo numa nova versão do
livro, agora expandida em formato de e-book, essas
duplicatas também fossem capazes de, tal como
o pensamento Wari’, que projeta corpos em outro
mundo, expandir o mundo e imaginar outros sobre
este nosso mundo aqui, permanentemente em via
de extinção.
Fábio Zuker não resolve os impasses de que nos
dá notícia, mas os expõe. Também, em nenhum mo-
mento ele se propôs à tarefa complicadíssima de
salvar o mundo do desastre, e sim de pensar sobre
o desastre e suas consequências, porque, para ele,
os números por si sós não dão conta de traduzir
a experiência cotidiana das pessoas que experien-
ciam a floresta amazônica dos mais diversos pon-
tos de vista.
MISCELÂNEA
POR UM POPULISMO
DE ESQUERDA
Chantal Mouffe,
Autonomia Literária
VIDA E MORTE DE UMA
BALEIA-MINKE NO
INTERIOR DO PARÁ E
OUTRAS HISTÓRIAS
DA AMAZÔNIA
Fábio Zuker,
Publication
Studio São Paulo
consenso no centro geraram o que a autora chama
de pós-política, condição marcada pela ausência de
propostas claramente alternativas/oposicionistas, o
que provoca, por sua vez, desinteresse pelo proces-
so democrático e apatia política.
Essa apatia, no entanto, teria sido sacudida pela
crise de 2008, que trouxe à tona as contradições do
modelo neoliberal e deu origem a questionamentos
dessa hegemonia por diversos movimentos, à es-
querda e à direita, mas com um traço em comum:
são antissistema.
Assim, a ascensão da direita populista na Europa,
nos Estados Unidos e no Brasil parece ser menos
um fenômeno político que um fenômeno social. A in-
satisfação de parte da população com o “sistema” e
com o condomínio de poder que cuidava da gestão
do capitalismo ajuda a entender a emergência de fi-
guras caricatas que se elegeram prometendo ruptu-
ras. De certa forma, a política foi redescoberta pela
direita. Como precisamente construir uma alternativa
contra-hegemônica, para além do processo eleito-
ral? A obra de Chantal Mouffe obviamente não ofere-
ce tal resposta, mas nos dá pistas e serve de reflexão
sobre fracassos acumulados e disputas a enfrentar.
[Felipe Calabrez] Prof. de Relações Internacionais.
Atento, então, à pluralidade de pontos de vista que
cruzam modos muito heterogêneos de vivenciar e
experienciar a floresta, Fábio Zuker movimenta-se
por diferentes lugares da região Norte do país, co-
letando histórias e escrevendo notícias que fazem
surgir pequenas clareiras na mata, assim como
a história da Baleia-Minke, que abre um pequeno
respiro no meio de tantas notícias de desastre, aju-
dando-nos a ter uma ideia do que, de fato, aconte-
ce atualmente por lá. De venezuelanos, indígenas
Warao e criollos, acampados no viaduto do terminal
rodoviário de Manaus, “personagens de uma história
que não gostariam de estar escrevendo”, a habitan-
tes do município de Alenquer, no Pará, que com-
partilham o uso do Lago Macupixi com a empresa
Açaí Amazonas e declaram, irremediavelmente, que
“o que eles querem mesmo é matar a gente”, o tom
que prevalece no livro, atravessado por uma grande
dor, é o de denúncia, como se suas reportagens es-
tivessem nos revelando um processo de destruição
contínua, cuja ferramenta seria uma certa violência
lenta – termo cunhado por Rob Nixon, professor de
Princeton – acometida contra a floresta e suas for-
mas de vida.
[Érica Zíngano] Poeta e artista visual.