CHIMPANZÉSDOUGANDA 85
A Autoridade de Vida Selvagem do Uganda
(UWA) tem consciência da situação dos chim-
panzés e, embora os animais que vivem fora de
áreas protegidas (bem como nos parques e reser-
vas nacionais) estejam sob alçada deste organis-
mo, as florestas privadas não estão.
“Infelizmente, é difícil ou impossível impedir
o abate florestal nessas áreas”, reconheceu Sam
Mwandha, director da UWA. “Só podemos fazer
apelos. Damos formação e temos esperança.”
A valorização de uma floresta pelas suas van-
tagens a longo prazo, como mitigação da erosão
e o controlo da temperatura, pode ser difícil face
às pressões de curto prazo de uma população que
necessita de cultivar produtos alimentares. Por
isso, a necessidade imediata, segundo Mwan-
dha, é “consciencializar” as pessoas, levando-as
a perceber que a vigilância contra os chimpanzés
tem de ser constante. Para esse fim, a UWA des-
tacou três vigilantes da natureza para a região e
criou um posto avançado de vida selvagem para
monitorizar os chimpanzés e ajudar os aldeãos a
aprenderem a viver com eles.
O grupo de Kyamajaka incluirá talvez uma
dezena de chimpanzés. Instalou-se nos arredo-
res da aldeia e passa a noite nos seus ninhos em
zonas de mata remanescente ou na plantação
de eucaliptos das redondezas. Como as suas flo-
restas prístinas praticamente desapareceram,
os animais vagueiam durante o dia para se ali-
mentarem nos campos cultivados e nas árvores
de fruto que rodeiam as casas. Deslocam-se fur-
tivamente, sobretudo no solo porque não existe
dossel florestal para saltarem entre as árvores.
Pontualmente, esbarram com seres humanos.
Bebem no mesmo riacho onde as mulheres e
as crianças vão buscar água e, quando caminham
em postura bípede, medem mais de um metro,
parecendo ameaçadoramente humanóides.
Os chimpanzés, juntamente com os bonobos,
são os nossos parentes vivos mais próximos.
A sua espécie, Pan troglodytes, está em perigo,
segundo a União Mundial para a Conservação
da Natureza. Em África, haverá, no máximo, 300
mil indivíduos, mas o número pode ser inferior.
Os chimpanzés que habitam florestas produti-
vas subsistem quase inteiramente à base de fru-
tos silvestres, como figos, mas matam e comem
um macaco ou um pequeno antílope quando têm
oportunidade, rasgando o corpo em pedaços e
partilhando-o com entusiasmo. Como tendem a
recear os seres humanos adultos, mostram com-
portamentos agressivos contra crianças.
No Uganda, os chimpanzés estão protegidos
por lei: é ilegal caçá-los ou matá-los. Estão ainda
mais protegidos pela tradição do povo bunyoro,
na região ocidental do Uganda, que, ao contrário
de alguns congoleses do outro lado da fronteira,
não os caçam para alimentação.
Ntegeka Semata e o marido, Omuhereza Sema-
ta, continuaram a viver na sua casa durante mais
de três anos após o trauma do rapto do seu filho,
mas Ntegeka não conseguia trabalhar na horta
e, por vezes, as crianças não conseguiam comer
por terem medo. “Estou sempre com medo de
que venham outros chimpanzés”, disse Ntegeka.
No fim de 2017, os Semata fugiram de casa e pas-
saram a morar num quarto arrendado a cinco
quilómetros de distância. “Sinto-me como se
tivéssemos caído novamente na pobreza”, disse
Ntegeka após a mudança.
A
MORTE DE MUJUNI SEMATA não foi um
acontecimento isolado. Relatos policiais
da cidade de Muhororo (da qual Kyama-
jaka é uma aldeia-satélite, com poucas
centenas de famílias) descrevem dois
ataques de chimpanzés a crianças ocor-
ridos em 2017. No dia 18 de Maio, uma
bebé chamada Maculate Rukundo foi capturada
num milheiral enquanto a mãe cuidava da planta-
ção. Uma multidão seguiu o chimpanzé até uma
zona florestada, onde a bebé jazia numa poça de
sangue. Cinco semanas mais tarde, os chimpanzés
capturaram um rapaz de 1 ano noutra horta, com a
mãe por perto. Os aldeãos seguiram os chimpanzés
até estes largarem o rapaz, que sobreviveu. Outros
incidentes foram documentados na mesma zona.
Existem relatos similarmente arrepiantes nou-
tros pontos do Oeste do Uganda: uma criança
morta na plantação de cana-de-açúcar de Ka-
songoire, em 2005; quatro ataques de chimpan-
zés a crianças, com uma morte, junto da Reserva
Florestal de Budongo, mais a norte; oito ataques
na década de 1990, sete dos quais provavelmente
perpetrados por um único macho solitário, junto
do Parque Nacional de Kibale.
Trata-se, na maioria dos casos, de chimpanzés
que se tornam temerários num momento fatí-
dico e não por sistema. Há muito que estão do-
cumentados incidentes em locais habitados por
chimpanzés de toda a África, com destaque para
o Parque Nacional de Gombe, o famoso local de
estudo de Jane Goodall na Tanzânia, onde em
2002, um chimpanzé macho adulto capturou e
matou um bebé humano.