National Geographic - Portugal - Edição 233 (2020-08)

(Antfer) #1
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Mas seria Robert Koch, na altura médico de pro-
víncia, trabalhando sozinho num laboratório
caseiro, a comprovar que a magnífi ca intuição
de Pasteur estava correcta.
Talvez os sentimentos antigermânicos do
século XX tenham afastado Koch da mitologia
da ciência médica. Koch também perdeu admi-
radores quando se divorciou da mulher para se
casar com uma lindíssima actriz e, aproximada-
mente na mesma época, prometeu, sem suces-
so, descobrir uma cura para a tuberculose.
Koch, no entanto, merece mais. Em meados da
década de 1870, quando ainda era um jovem mé-
dico e trabalhava numa zona rural do actual ter-
ritório da Polónia, reser-
vou parte da sua sala de
exames para instalar um
pequeno laboratório.
Ali, no meio dos doen-
tes, estudava os espéci-
mes microscópicos do
mundo natural, incluin-
do o sangue de uma
ovelha que morrera de
carbúnculo. Através de
uma análise paciente, foi
desvendando um misté-
rio desconhecido desta
doença veterinária, que
por vezes também mata
seres humanos.
As bactérias reprodu-
zem-se normalmente,
dividindo-se em duas. Em condições favoráveis,
a duplicação sucessiva de um agente patogéni-
co como o carbúnculo pode fazer claudicar o
animal hospedeiro. O que ninguém sabia antes
de Koch é que, quando as condições se tornam
adversas, as bactérias do carbúnculo também
podem produzir uma estrutura de sobrevivên-
cia. Este esporo, encapsulado num revestimento
duro, consegue sobreviver no solo em estado la-
tente durante gerações, como se fosse uma mina
terrestre biológica. Isso sugeriu uma resposta
para o facto de o carbúnculo por vezes surgir do
nada, quando nenhum animal novo é introdu-
zido num rebanho e sem que qualquer caso da
doença tenha ocorrido durante anos ou décadas.
Koch não tardou a inventar um método de
cultivar artifi cialmente as bactérias, sobre um

pedaço de vidro que podia examinar ao mi-
croscópio. Ali observou a eclosão dos esporos
e viu-os transformarem-se de novo em bac-
térias vivas, que subsequentemente produ-
ziram uma segunda geração de esporos. Para
demonstrar que os esporos eram capazes de
infectar animais após um período de latên-
cia, Koch injectou-os em ratos selvagens (não
existiam ainda ratos de laboratório), dando
rapidamente origem a uma nova e mortífera
população de bactérias de carbúnculo.
O artigo publicado por Koch sobre a bacté-
ria do carbúnculo, em Outubro de 1876, foi um
ponto de viragem na história da humanidade.
Ao produzir, repetida
e previsivelmente, os
sintomas do carbún-
culo em animais expe-
rimentais, ele provou
a realidade há muito
contestada do contágio
e provou que o Bacillus
anthracis era o agente
responsável por esse
contágio. Numa fra-
se, Koch demonstrara
a teoria microbiana
da doença.
Pasteur e Koch
aproveitaram inevita-
velmente o trabalho
um do outro, ao mesmo
tempo que se atacavam
em público. Pasteur concebeu as primeiras
novas vacinas desde que Jenner criara a vaci-
na contra a varíola, 85 anos antes, incluindo
as vacinas contra o carbúnculo e contra a rai-
va. Koch não curou quaisquer doenças, mas
identifi cou os agentes patogénicos responsá-
veis por algumas das mais terríveis doenças
conhecidas pela humanidade, como a cólera e
a tuberculose e esse trabalho valeu-lhe a atri-
buição do Prémio Nobel em 1905. Também tor-
nou muitas curas possíveis, ao inventar ferra-
mentas microbiológicas que outros cientistas
ainda utilizam para identifi car uma espantosa
galeria de vilões constituída por agentes pato-
génicos mortíferos. Pela primeira vez, o trata-
mento e a prevenção específi cos de quase todas
as doenças infecciosas tornaram-se possíveis.

Pasteure Koch
detestavam-se
mutuamente
comorivaise
patriotasem
tempodeguerra.
Osseusavanços
transportaram
a humanidade
paraomundo
milagrosoda
teoriamicrobiana.

CAPÍTULO TRÊ Finais do século  EUROPA Os micróbios causam doenças

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