na realidade, ela se dá com a intermediação de objetos. A informação sobre o que acontece não vem
da interação entre pessoas, mas do que é veiculado pela mídia, uma interpretação interessada, senão
interesseira, dos fatos.
Um outro mito é o do espaço e do tempo contraídos, graças, outra vez, aos prodígios da
velocidade. Só que a velocidade apenas está ao alcance de um número limitado de pessoas, de tal
forma que, segundo as possibilidades de cada um, as distâncias têm significações e efeitos diversos e
o uso do mesmo relógio não permite igual economia do tempo.
Aldeia global tanto quanto espaço-tempo contraído permitiriam imaginar a realização do
sonho de um mundo só, já que, pelas mãos do mercado global, coisas, relações, dinheiros, gostos
largamente se difundem por sobre continentes, raças, línguas, religiões, como se as particularidades
tecidas ao longo de séculos houvessem sido todas esgarçadas. Tudo seria conduzido e, ao mesmo
tempo, homogeneizado pelo mercado global regulador. Será, todavia, esse mercado regulador? Será
ele global? O fato é que apenas três praças, Nova Iorque, Londres e Tóquio, concentram mais de
metade de todas as transações e ações; as empresas transnacionais são responsáveis pela maior
parte do comércio dito mundial; os 47 países menos avançados representam juntos apenas 0,3% do
comércio mundial, em lugar dos 2,3% em 1960 (Y. Berthelot, “Globalisation et régionalisation: une
mise en perspective”, in L'integration régionale dans le monde, GEMDEV, 1994), enquanto 40% do
comércio dos Estados Unidos ocorrem no interior das empresas (N. Chomsky, Folha de São Paulo,
25 de abril de 1993).
Fala-se, também, de uma humanidade desterritorializada, uma de suas características
sendo o desfalecimento das fronteiras como imperativo da globalização, e a essa idéia dever-se-ia
uma outra: a da existência, já agora, de uma cidadania universal. De fato, as fronteiras mudaram de
significação, mas nunca estiveram tão vivas, na medida em que o próprio exercício das atividades
globalizadas não prescinde de uma ação governamental capaz de torná-las efetivas dentro do
território. A humanidade desterritorializada é apenas um mito. Por outro lado, o exercício da
cidadania, mesmo se avança a noção de moralidade internacional, é, ainda, um fato que depende da
presença e da ação dos Estados nacionais.
Em mundo como fábula é alimentado por outros ingredientes, entre os quais a politização
das estatísticas, a começar pela forma pela qual é feita a comparação da riqueza entre as nações. No
fundo, nas condições atuais, o chamado Produto Nacional Bruto é apenas um nome fantasia do que
poderíamos chamar de produto global, já que as quantidades que entram nessa contabilidade são
aquelas que se referem às operações que caracterizam a própria globalização.
Afirma-se, também, que a “morte do Estado” melhoraria a vida dos homens e a saúde
das empresas, na medida em que permitiria a ampliação da liberdade de produzir, de consumir e de
viver. Tal neoliberalismo seria o fundamento da democracia. Observando o funcionamento concreto
da sociedade econômica e da sociedade civil, não é difícil constatar que são cada vez em menor
número as empresas que se beneficiam desse desmaio do Estado, enquanto a desigualdade entre os
indivíduos aumenta.
Sem essas fábulas e mitos, este período histórico não existiria como é: Também não
seria possível a violência do dinheiro. Este só se torna violento e tirânico porque é servido pela
violência da informação. Esta se prevalece do fato de que, no fim do século XX, a linguagem ganha
autonomia, constituindo sua própria lei. Isso facilita a entronização de um subsistema ideológico, sem
o qual a globalização, em sua forma atual, não se explicaria.
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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