Estados Unidos têm um papel especial nesse sistema, por razões óbvias. Nas palavras de Gerald
Haines, especialista em história da diplomacia e antigo historiador da CIA: “Depois da 2ª Grande
Guerra, os Estados Unidos assumiram, por interesse próprio, a responsabilidade pela prosperidade
do sistema capitalista mundial”. O foco de Haines é o que chama de “americanização do Brasil”,
mas apenas como caso particular. E suas palavras são bastante exatas.
Os Estados Unidos já eram a maior economia do planeta desde muito antes da 2ª Grande
Guerra, durante a qual prosperou, enquanto seus rivais se enfraqueciam enormemente. A economia
de guerra coordenada pelo Estado conseguiu, ao final, superar a Grande Depressão. No fim da
guerra, os Estados Unidos detinham a metade da riqueza do planeta e uma posição de poder sem
precedentes na história. Os grandes arquitetos de políticas trataram, é claro, de usar esse poder
para criar um sistema global que viesse ao encontro de seus interesses.
Documentos do alto nível descrevem a principal ameaça a esses interesses, particularmente
na América Latina, como sendo os “regimes nacionalistas” e “radicais” sensíveis à pressão popular
pela “melhoria imediata do baixo nível de vida das massas” e por um desenvolvimento voltado ao
atendimento das necessidades do país. Essas tendências conflitam com a exigência de “um clima
político e econômico propício para o investimento privado”, com a adequada repatriação dos lucros
e a “proteção de nossas matérias-primas” – nossas, ainda que localizadas em outro país. Por essa
razão, o influente planejador George Kennan nos aconselhou a “parar de falar de objetivos vagos e
pouco realistas como os direitos humanos, a elevação do nível de vida e a democratização”, e a
“tratar de usar conceitos claros de poder”, “desembaraçados de frases idealistas” sobre “o altruísmo
e a beneficência mundial” – ainda que tais expressões sejam perfeitas, até obrigatórias, nos
discursos públicos.
Estou citando documentos secretos agora disponíveis, em princípio, mas quase totalmente
desconhecidos do grande público e da comunidade intelectual.
O “nacionalismo radical” é por si só intolerável, mas constitui além disso uma “ameaça à
estabilidade”, outra expressão que tem um significado especial. Quando Washington se preparava
para derrubar o primeiro governo democraticamente eleito da Guatemala, em 1954, um funcionário
do Departamento de Estado advertiu que a Guatemala “se tomara uma ameaça crescente à
estabilidade de Honduras e EI Salvador. Sua reforma agrária é uma poderosa arma de propaganda;
seu abrangente programa social de ajuda aos operários e camponeses na luta vitoriosa contra as
classes mais altas e as grandes companhias estrangeiras tem um forte apelo sobre as populações de
seus vizinhos centro-americanos, onde as condições são semelhantes”. “Estabilidade” quer dizer
segurança para “as classes mais altas e as grandes companhias estrangeiras”, cuja prosperidade
deve ser preservada.
Tais ameaças à “prosperidade do sistema capitalista mundial” justificam o uso do terror e da
subversão para a restauração da “estabilidade”. Uma das primeiras tarefas da CIA foi uma operação
de larga escala para minar a democracia italiana em 1948, quando se temeu que o resultado
eleitoral pudesse dar errado; planejou-se uma intervenção militar direta para o caso de falhar a
subversão. Essa operação foi descrita como destinada a “estabilizar a Itália”. Pode-se até
“desestabilizar” para alcançar a “estabilidade”. Assim, o editor do jornal semi-oficial Foreign Affairs
explica que Washington precisava “desestabilizar um governo marxista livremente eleito no Chile”,
porque “estávamos determinados a buscar a estabilidade”. Com uma formação adequada, pode-se
superar essa aparente contradição.
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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