Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

diz que os Estados Unidos vêm usando o Brasil desde 1945 como “área de teste para os modernos
métodos científicos de desenvolvimento industrial baseado no capitalismo intensivo”. Essa
experiência foi levada a cabo “com a melhor das intenções”. Os investidores estrangeiros se
beneficiaram, mas os planejadores “acreditavam sinceramente” que o povo brasileiro também se
beneficiaria. Não é necessário explicar como foi que se beneficiaram ao tornar o Brasil “a menina
dos olhos da comunidade internacional de negócios na América Latina” sob o governo militar nas
palavras dos jornais de negócios –, enquanto o Banco Mundial relatava que dois terços da
população não se alimentavam o bastante para suportar uma atividade física normal.
Em seu texto de 1989, Haines classificou a “política norte-americana para o Brasil” como
“extremamente bem-sucedida”, “uma verdadeira história de sucesso americano”. O ano de 1989 foi
um “ano de ouro” aos olhos do mundo dos negócios, com lucros triplicados em relação a 1988 e
uma redução de cerca de 20 por cento nos salários industriais, que já figuravam entre os mais
baixos do mundo; a classificação do Brasil no Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento
Humano estava próxima à da Albânia. Quando o desastre começou a atingir os ricos, os “modernos
métodos científicos de desenvolvimento baseado no capitalismo intensivo” (Haines) se
transformaram de uma hora para outra em prova dos males do estatismo e do socialismo outra
transição rápida que ocorre sempre que necessário.
Para apreciar esse avanço, devemos nos lembrar de que o Brasil há muito é
reconhecidamente um dos países mais ricos do mundo, dotado de enormes vantagens, até mesmo
meio século de influência e tutela dos Estados Unidos, que, com a melhor das intenções, por acaso
estão uma vez mais a serviço do lucro da minoria, enquanto a maioria do povo é deixada na
miséria.
O exemplo mais recente é o México, louvado como o primeiro aluno das regras do Consenso
de Washington e apontado como modelo para os demais – enquanto os salários despencavam, a
pobreza aumentava quase tão depressa quanto o número de bilionários e o capital estrangeiro
afluía (a maior parte dele especulativa ou destinada à exploração da mão-de-obra barata mantida
sob controle por uma “democracia” brutal). Também ficou conhecido o colapso desse castelo de
cartas em dezembro de 1994. Hoje, metade da população não atinge os níveis alimentares mínimos,
ao passo que o homem que controla o mercado de grãos permanece na lista dos bilionários
mexicanos, categoria na qual o país exibe uma elevadíssima posição.
As mudanças na ordem global trouxeram também a aplicação de uma versão do Consenso de
Washington dentro dos próprios Estados Unidos. Há quinze anos os salários da maioria da
população vêm estagnando ou diminuindo, assim como as condições de trabalho e de segurança no
emprego, quadro que se mantém apesar da recuperação da economia – um fenômeno sem
precedente. A desigualdade atingiu níveis desconhecidos nos últimos setenta anos, muito
superiores aos de outras nações industrializadas. Os Estados Unidos têm os mais elevados índices
de pobreza infantil dentre todas as sociedades industriais, seguidos pelo resto do mundo de língua
inglesa. E os índices vão percorrendo a conhecida lista de males do Terceiro Mundo. Enquanto isso,
os jornais de negócios não conseguem encontrar adjetivos suficientemente exuberantes para
descrever o crescimento “estonteante”, “espetacular”, dos lucros, embora admitam que os ricos
também se defrontam com problemas: um título de Business Week anuncia O Problema Agora: O
que Fazer com Tanto Dinheiro, pois a “expansão dos lucros” faz “transbordar os cofres da América
das sociedades anônimas” e multiplicar os dividendos.

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