Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

universidades e igrejas. A fim de superar a crise da democracia, a comissão propôs formas de
restaurar a disciplina e fazer com que o público em geral retomasse à passividade e à obediência.
A Comissão representa os setores mais progressistas e internacionalistas do poder e da vida
intelectual dos Estados Unidos, Europa e Japão: o governo Carter foi quase que inteiramente
composto de pessoas oriundas de seus quadros. A direita adota uma linha muito mais dura.
A partir dos anos 1970, mudanças na economia internacional puseram novas armas nas
mãos dos senhores, dando-lhes meios de mutilar o odiado contrato social conquistado pela luta
popular. O leque de opções políticas dos Estados Unidos, sempre muito estreito, acabou reduzido à
quase invisibilidade. Poucos meses após a posse de Clinton, a matéria principal do Wall Street
Journal expressava satisfação com o fato de que “questão após questão, o Sr. Clinton e seu governo
alinham-se à América empresarial”, provocando aplausos de dirigentes de grandes companhias,
encantados por ver que “estamos nos entendendo muito melhor com esse governo do que com os
outros que o antecederam”, disse um deles.
Um ano mais tarde, líderes empresariais descobriram que as coisas estavam ainda melhores.
Em setembro de 1995, Business Week informou que o novo Congresso “representa um marco para
os negócios: nunca os empresários americanos haviam sido tão entusiasticamente cumulados de
atenções”. Nas eleições de novembro de 1996, os dois candidatos eram republicanos moderados
pertencentes de longa data aos meios governamentais, candidatos do mundo das grandes
empresas. Para o jornalismo de negócios, a campanha foi um “tédio histórico”. As pesquisas
mostraram que o interesse do público havia declinado mais abaixo dos baixos índices anteriores,
mesmo com as despesas de campanha batendo todos os recordes, e que ambos os candidatos
desagradavam aos eleitores que esperavam deles muito pouco.
Existe um amplo descontentamento com o funcionamento do sistema democrático. Fenômeno
similar foi registrado na América Latina e, apesar das condições bastante diversas, algumas das
razões são as mesmas. O cientista político argentino Atilio Boron sublinhou o fato de que, na
América Latina, o processo democrático foi implantado junto com as reformas econômicas
neoliberais, desastrosas para a grande maioria da população. A introdução de programas similares
no país mais rico do mundo tem tido efeitos similares. Quando mais de 80 % da população acha que
o sistema democrático é uma impostura e que a economia é “intrinsecamente injusta”, o
“consentimento dos governados” se toma superficial.
Os jornais de negócios registram “a clara subjugação do trabalho pelo capital nos últimos
quinze anos”, propiciando a este a conquista de muitas vitórias. Mas também alertam que os dias
de glória talvez não durem muito, devido à “campanha [cada vez mais] agressiva” dos trabalhadores
“em defesa do ‘salário mínimo’” e “para conquistar uma parte maior do bolo”.
Convém lembrar que já passamos por tudo isso antes. O “fim da história”, a “perfeição” e o
“final” foram muitas vezes proclamados e sempre se revelaram falsos. E, apesar de todas as
sórdidas permanências, a alma otimista pode divisar um lento progresso, realisticamente – creio.
Nos avançados países industriais e em outros também, as lutas populares podem partir de um nível
mais elevado e com maiores expectativas do que nos ‘alegres anos 1890’ e nos ‘felizes anos 1920’, e
mesmo do que há trinta anos. Além disso, a solidariedade internacional pode assumir formas novas
e mais construtivas à medida que a grande maioria da população mundial comece a entender que
seus interesses são bastante semelhantes e podem ser promovidos por meio do trabalho conjunto.
Não existe hoje, mais do que antes, razão para crer que somos prisioneiros de leis sociais

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