V A INSURREIÇÃO ZAPATISTA
Grandes mudanças ocorreram na ordem global no último quarto de século. Em 1970, a
“aliança afluente” dos anos do pós-guerra começava a fazer água e crescia a pressão sobre os lucros
das grandes empresas. Reconhecendo que os Estados Unidos não podiam mais desempenhar o
papel de “banqueiro internacional” que fora tão benéfico para as multinacionais baseadas em
território norte-americano, Richard Nixon desmantelou a ordem econômica internacional (o sistema
de Bretton Woods), suspendendo a convertibilidade do dólar em ouro, impondo controles sobre os
salários, sobretaxas de importação e medidas fiscais para colocar o poder do Estado, ainda mais do
que antes, a serviço da prosperidade dos ricos. Desde então, esta tem sido a política dirigente,
acelerada durante os anos de Reagan e mantida pelos “Novos Democratas”. Intensificou-se a
incessante guerra de classes livrada por setores empresariais corporativos, do escala global.
Os movimentos de Nixon foram um dentre uma série de fatores que levaram a um enorme
crescimento do capital financeiro não regulado e a uma mudança radical do seu uso, do comércio e
o investimento a longo prazo para a especulação. Eles lograram debilitar o planejamento econômico
dos países, uma vez que os governos foram compelidos a preservar a “credibilidade” do mercado,
empurrando suas economias para um “equilíbrio de baixo crescimento e forte desemprego”, como
diz o economista John Eatwell, da Universidade de Cambridge, com salários reais estagnados ou
declinantes, pobreza e desigualdade crescentes e mercados e lucros em expansão para uma
minoria. O processo associado de internacionalização da produção proporciona novas armas para
enfraquecer os trabalhadores do Ocidente, que têm de aceitar a perda de seu “luxuoso” modo de
vida e concordar com a “flexibilização do mercado de trabalho” (a pessoa não saber se terá emprego
no dia seguinte), rezam com alegria os cadernos de negócios. O retomo da maior parte da Europa
Oriental às suas origens terceiro-mundistas realça consideravelmente tais perspectivas. O ataque
aos direitos dos trabalhadores, aos padrões sociais e à democracia efetiva em todo o mundo é o
produto dessas vitórias.
O triunfalismo desses pequenos setores de elite é bastante compreensível, assim como o
desespero e o ódio dos que não pertencem aos círculos de privilegiados.
A revolta dos índios camponeses de Chiapas no dia de Ano-Novo pode ser prontamente
entendida neste contexto geral. Ela coincidiu com a aprovação do NAFTA, que o exército zapatista
chamou de “uma sentença de morte” para os índios, um presente para os ricos que aprofundará o
fosso entre a extrema concentração da riqueza e a miséria das massas e destruirá o que resta da
sociedade nativa.
A conexão NAFTA é em parte simbólica; os problemas são, em verdade, muito mais
profundos. “Somos o produto de 500 anos de luta”, dizia a declaração de guerra zapatista. Nossa
luta hoje é “por trabalho, terra, moradia, alimentos, saúde, educação, independência, liberdade,
democracia, justiça e paz”. “Sua verdadeira origem”, acrescentou o vigário-geral da diocese de
Chiapas, “é a completa marginalização, a pobreza e a frustração de tantos anos de luta para
melhorar a situação”.