Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

suas alianças recíprocas, com direitos extraordinários outorgados, apoiados e reforçados pelo poder
de estado.
Recordemos então, tendo em mente essas condições, algumas das características pretendidas
do AMI, apoiando-nos na informação que chegou ao público interessado graças à “aliança profana”.
Aos “investidores” é concedido o direito de movimentar livremente seus ativos, incluindo
unidades de produção e ativos financeiros, sem “interferência governamental” (ou seja, a voz do
público). Por meio de chicanas familiares ao mundo dos negócios e aos advogados das grandes
empresas, os direitos concedidos aos investidores estrangeiros são facilmente transferidos aos
investidores locais. Dentre as opções democráticas que podem ser barradas estão as que exigem
propriedade nacional, transferência de tecnologia, administração local, controle da empresa, piso
salarial, prioridades (para áreas carentes, minorias, mulheres etc.), proteção do trabalhador, do
consumidor e do meio ambiente, restrições a produtos perigosos, proteção à pequena empresa,
apoio às indústrias estratégicas e emergentes, reforma agrária, controle comunitário e operário (isto
é, os fundamentos da verdadeira democracia), condutas no trabalho (que pudessem ser
interpretadas como ameaças ilegais à ordem) e assim por diante.
Os “investidores” têm permissão para mover ações judiciais contra os governos, em qualquer
nível, por infração dos direitos a eles concedidos. Não existe reciprocidade: os cidadãos e os
governos não podem processar os “investidores”. Os processos movidos pela Ethyl e pela Metalclad
são iniciativas exploratórias.
Não se prevêem quaisquer restrições ao investimento em países que violam os direitos
humanos: a África do Sul da época do “engajamento construtivo” ou a Burma de hoje em dia.
Entende-se, é claro, que o ‘Don’ não deve ser tolhido por tais restrições. Os poderosos estão acima
das leis e dos tratados.
Restrições ao fluxo de capitais são vedadas: por exemplo, as medidas tomadas pelo Chile para
desincentivar o ingresso de capitais de curto prazo, às quais se atribui em amplos círculos um certo
isolamento que protegeu o país do impacto destrutivo dos mercados financeiros altamente voláteis,
sujeitos à imprevisível irracionalidade da manada. Ou outras medidas de maior alcance que
pudessem reverter as conseqüências deletérias da liberalização dos fluxos de capital. Propostas
responsáveis para atingir esses objetivos vêm sendo discutidas há anos, mas jamais chegaram à
agenda dos “arquitetos do poder”. Pode até ser que a economia seja prejudicada pela liberalização
financeira, como indicam as evidências. Mas esse é um problema de pouca gravidade comparado às
vantagens obtidas em 25 anos de liberalização dos fluxos de capital, iniciada principalmente pelos
governos dos Estados Unidos e do Reino Unido. São vantagens substanciais. A liberalização
financeira contribui para a concentração de riqueza e proporciona armas poderosas para atacar os
programas sociais. Ajuda a gerar uma “significativa contenção salarial” e uma “contenção atípica do
crescimento das remunerações [cuja] principal causa parece ser o aumento da insegurança do
trabalhador” tão incentivada por Alan Greenspan, Diretor do Banco Central, e pelo governo Clinton,
em defesa de um “milagre econômico” que suscita a reverente admiração de beneficiários e
observadores iludidos, particularmente estrangeiros.
Há poucas surpresas aqui. Os criadores do sistema econômico internacional do segundo pós-
guerra defendiam a liberdade de comércio, mas também a regulação do capital; essa foi a estrutura
básica do sistema de Bretton Woods, de 1944, incluindo a Carta do FMI. Uma das razões para isso
era o temor (bastante plausível) de que a liberalização do capital financeiro obstaculizasse a

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