A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
Preços sem valores / 103

cimento sempre surge no contexto de experiências existentes e formas diversas de
compreensão e interpretação dessas experiências através de linguagem, conceitos,
narrativas e histórias preexistentes. As dádivas gratuitas da natureza humana têm
um papel vital e permanente na definição do que pode e como pode ser feito de
maneira rentável. A crítica duradoura ao capital como sistema foca, em parte, a
frustração das potencialidades criativas da maioria da população, à medida que
o capital assume o controle não apenas daquilo que é produzido e de como será
produzido mas também das realizações culturais e intelectuais de outros como se
fossem dele. Quando o pior dos arquitetos é contratado por um escritório de ar­
quitetura para vender plantas e projetos a incorporadoras capitalistas, ou quando
um biólogo trabalha para a Monsanto isolando sequências de DNA de plantas que
evoluíram ao longo de milênios para patentear o direito de cultivar tais plantas, a
imaginação humana é acurralada e apropriada à causa da produção e apropriação
de mais-valor. Marx estende essa ideia ao campo da produção cultural:


Milton, que escreveu Paraíso perdido, era um trabalhador improdutivo. Já o escritor que
realiza um trabalho fabril para o seu livreiro é um trabalhador produtivo. Milton pro­
duziu Paraíso perdido como um bicho-da-seda produz seda, como manifestação de sua
própria natureza. Posteriormente, ele vendeu seu produto por cinco libras e tornou-se
um negociante. Mas o proletário literato de Leipzig que produz livros - por exemplo,
compêndios de economia política - por encargo do seu livreiro é praticamente um
trabalhador produtivo, na medida em que a sua produção é controlada pelo capital e só
ocorre para aumentá-lo. Uma cantora que canta como um pássaro é uma trabalhadora
improdutiva. Se ela vende a sua canção por dinheiro, é nesse sentido uma trabalhadora
assalariada ou uma comerciante. Mas se essa mesma cantora é contratada por um em­
presário que a faz cantar para ganhar dinheiro, ela passa a ser uma trabalhadora produ­
tiva, já que produz diretamente capital. Um mestre-escola que instrui outras pessoas não
é um trabalhador produtivo. Já um mestre-escola que trabalha com outros professores
em troca de um salário, utilizando seu próprio trabalho para aumentar o dinheiro do
empresário que é proprietário da instituição de ensino, é um trabalhador produtivo.9

A definição de “produtivo” se refere à produção de mais-valor. Milton não
criou valor algum quando escreveu Paraíso perdido. Quando vendeu a alguém,
por cinco libras, o direito exclusivo de utilizar o seu conteúdo, ele ampliou a es­
fera da circulação monetária sem contribuir para a produção de valor. O direito
de utilizar o conteúdo possui um preço, mas não possui um valor. Tal transação


9 Idem, “The Results of the Immediate Process of Production”, cit., p. 1.044 [ed. bras.: O capital,
Livro I, capítulo VI (inédito), cit., p. 76, com modificações].

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