A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
A visualização do capital como valor em movimento / 31

IsSo introduz na circulação do capital uma distinção cada vez mais importante
entre propriedade e gestão. Os acionistas demandam um retorno sobre o investi­
mento de capital-dinheiro, ao passo que a gestão demanda sua parcela por conta da
organização ativa da produção de mais-valor na forma-mercadoria. Urna vez que
a circulação de capital-dinheiro portador de juros adquire um estatuto autónomo
dentro do conceito de capital, as dinámicas do capital como valor em movimento
se desagregam. Surge toda uma classe de acionistas e investidores (capitalistas mo­
netários) em busca de ganhos monetários decorrentes dos investimentos de capital-
-dinheiro à sua disposição. Essa classe acelera e comprime a conversão do mero
dinheiro em capital-dinheiro. Sem esse movimento, não pode haver valorização de
capital na produção, não pode haver crescimento e não pode haver retorno sobre
o capital-dinheiro. Ao mesmo tempo, ele implica uma orientação puramente mo­
netária da parte de um segmento poderoso e influente do capital que facilmente
pode buscar retorno sobre o seu dinheiro por meios que não são o da valorização
no processo de produção. Se a taxa de ganho monetário for mais favorável a partir
da especulação no mercado imobiliário ou de recursos naturais, ou em operações
de capital comercial, então é lá que eles investirão. Se a compra de dívidas do gover­
no render mais do que a produção, então o capital-dinheiro tenderá a escoar mais
para esses setores do que para a valorização propriamente dita.
Marx reconhece tais possibilidades. Mas tende a desconsiderá-las com base no
fato de que, se todo o mundo investir em renda imobiliária ou em atividades de
capitalismo comercial e ninguém investir em produção de valor, a taxa de retorno
sobre este último disparará até o capital retornar ao que Marx considera suas funções
vitais legítimas. Na pior das hipóteses, Marx tende a conceder (ao menos nos casos do
capital comercial e dos juros) que, com o passar do tempo, a taxa de lucro tenderá a se
igualar entre o capital industrial e as outras formas distributivas. Ainda assim, o capi­
tal como valor em movimento perde sua estrutura simples singular e se estilhaça em
fluxos de componentes que frequentemente se movem em relação antagônica entre
si. Isso é semelhante ao que acontece no ciclo hidrológico, quando ocorre precipita­
ção em várias formas diferentes. Nos últimos tempos, por exemplo, o fluxo de capital
tendeu a diminuir em relação à produção de valor, à medida que o capital-dinheiro
busca taxas de retorno maiores em outros lugares, como na especulação imobiliária
ou fundiária. O efeito é exacerbar a estagnação a longo prazo na produção de valor
que caracteriza boa parte da economia global desde a crise de 2007-2008.
O elemento contraditório é que a criação de endividamento dentro do sistema
financeiro impulsiona persistentemente a acumulação futura. A busca frenética por
lucro se soma à necessidade frenética de amortizar as dívidas. E parte dessa busca
frenética precisa encontrar formas de aumentar a valorização do capital na produ­
ção. O valor não retorna às práticas de valorização que analisamos sob a mesma

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