A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O capital / 51

curando reter o restante do lucro para si mesmos. Marx, por sinal, considera isso
uma virtude singular das finanças capitalistas no sentido de sustentar o poder e a le-
gitimidade da classe capitalista burguesa. E uma maneira de compensar o poder da
riqueza herdada e permitir que empreendedores e arrivistas tenham a possibilidade
de romper as barreiras de classe que, caso contrário, obstruiríam seu caminho. A
força política e psicológica da classe capitalista é reforçada pela incorporação desses
novos elementos nas classes dominantes.
Esse duplo papel produz, como Marx assinala, a distinção entre posse e gestão.
Os acionistas exigem um retorno sobre o seu investimento de capital-dinheiro, e
a gestão reivindica a sua parte, em troca da organização ativa da produção. Uma
classe de acionistas e investidores (capitalistas monetários) procura ganhos monetá­
rios decorrentes dos investimentos de capital-dinheiro à sua disposição. Essa classe
acelera e comprime a conversão do mero dinheiro em capital-dinheiro. Mais ativo
ainda é o capital fictício que é criado no sistema bancário e emprestado a terceiros
como capital portador de juros circulante16.
O capital se estilhaça em fluxos de componentes que frequentemente se mo­
vem em relação antagônica entre si. Nos últimos tempos, por exemplo, o fluxo de
capital tendeu a diminuir em relação à produção de valor, à medida que o capital-
-dinheiro busca taxas de retorno maiores em outros lugares. O efeito foi exacerbar
a estagnação a longo prazo na produção de valor que caracteriza boa parte da eco­
nomia global desde a crise de 2007-2008.
Marx não podia prever a situação atual, em que uns poucos bancos poderosos



  • considerados too big to fa il [grandes demais para quebrar] - investem irresponsa­
    velmente em condições de risco moral criadas por um Estado que lhes garante que
    os contribuintes compensarão as perdas se eles quebrarem. A circulação do capital
    portador de juros exerce uma tremenda pressão sobre a valorização e a realização.
    Satura e, em alguns casos, pode corromper todo o sistema do capital em movi­
    mento. No entanto, há boas razões para Marx descrever a circulação do capital
    portador de juros como algo que representa os interesses da classe capitalista como
    um todo. Para começar, ela reduz uma imensa variedade de temporalidades a uma
    única medida: a taxa de juros. Introduz uma fluidez na valorização e na realização
    que, do contrário, não existiría. Os empréstimos aos consumidores alavancam a
    demanda efetiva, que, por sua vez, estimula a realização. No mercado imobiliário,
    por exemplo, os financistas financiam a construção de moradia pelas incorporado-
    ras e ao mesmo tempo concedem empréstimos aos consumidores para realizar o


16 Sobre a importância do capital fictício, ver David Harvey, Para entender O Capital: Livros II e III
(trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2014); Cédric Durand, Fictitious Capital: How
Finance is Appropriating our Future (Londres, Verso, 2017).
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