A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O dinheiro como representação do valor / 65

lho. O trabalho fabril que Marx acreditava ser o futuro do capitalismo, por exem­
plo, diminuiu muito nos países capitalistas avançados, e a teleología que Marx, de
modo geral, presumia não se desenvolveu da maneira que ele imaginava. O capital
é constituído hoje por uma impressionante mistura de sistemas de trabalho muito
diferentes em diferentes lugares e tempos. O trabalho fabril ainda é dominante
em algumas partes do mundo (por exemplo, na Asia oriental), mas na América
do Norte e na Europa é bastante limitado e foi substituido por outros sistemas de
trabalho (trabalho digital e afins).
Intervenções monetárias de cunho proudhoniano, com moedas locais, compar­
tilhamento de tempo e formas de dinheiro que representam diretamente tempo de
trabalho, vêm despertando grande interesse como alternativa aos modos conven­
cionais de troca de bens e serviços13. Alguns movimentos políticos têm associado is­
so às tentativas de reabilitar os sistemas de produção descentralizados e em pequena
escala (de preferência sob o controle dos trabalhadores). Estes se tornaram possíveis
graças às novas tecnologias e formas organizacionais de especialização flexível e de
produção em pequena escala que surgiram nos anos 1980. Naquela época, Piore
e Sabei, no influente livro The Second Industrial Divide, leram isso como uma
oportunidade para a esquerda realizar o sonho proudhoniano do mutualismo. Os
sistemas autogeridos de produção em pequenos lotes surgiram naToscana e se tor­
naram um modelo de futuro socialista nos anos 1980. Infelizmente, esse sistema de
trabalho se revelou uma armadilha neoliberal, desmantelando o poder organizado
do trabalhador e ampliando a exploração em sistemas de trabalho baseados na
insegurança e na precariedade descentralizada. A especialização flexível se tornou
acumulação flexível para as empresas capitalistas14. Por outro lado, o sistema fabril
de massa continua vivo na Ásia oriental e no Sudeste Asiático, enquanto os padrões
de emprego do trabalho digital e da microfinança são altamente descentralizados,
embora cada vez mais organizados em configurações de autoexploração tão opres­
sivas quanto o trabalho industrial tradicional15.
Seria um imenso equívoco presumir que as relações sociais expressas na teoria
do valor do trabalho possam ser reconstruídas com reformas no sistema monetário.


13 Anitra Nelson, Marxs Concept ofM oney (Nova York, Routledge, 2014); Thomas H. Greco Jr., The
End ofM oney and the Future o f Civilisation (White River Junction, Chelsea Green, 2009).
14 Michael Piore e Charles Sabei, The Second Industrial Divide: Possibilities for Prosperity (Nova York,
Basic Books, 1986); David Harvey, The Condition o f Postmodemity (Oxford, Blackwell, 1989)
[ed. bras.: Condição pós-modema: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural (trad. Adail
Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves, São Paulo, Loyola, 1992).
15 Michel Bauwens, “Towards the Democratisation of the Means of Monetisation”, mimeo., Bru­
xelas, 21 out. 2013; Ursula Huws, Labor in the Digital Economy (Nova York, Monthly Review
Press, 2014).
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