A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O dinheiro como representação do valor / 69

Tais contradições ecoam em todos os escritos de Marx. Sua exposição da teoria
do valor do trabalho própria do capital está inextricavelmente enredada nelas. O
tópico se complica à medida que Marx mergulha cada vez mais fundo ñas múl­
tiplas funções do dinheiro. O dinheiro pode funcionar como medida de valor,
urna forma de economia, um padrão de preços, um meio de circulação, ou pode
funcionar como unidade de conta, dinheiro de crédito e, por fim, mas não menos
importante, meio de produção para produzir capital29.
Diversas dessas funções são incompatíveis. Embora o ouro seja excelente como
medida de valor, padrão de preços e veículo de economia (porque é um metal que
não oxida), é péssimo como meio de circulação. Esta última função é mais bem
cumprida por símbolos de dinheiro, como moedas, moedas fiduciárias emitidas
pelo Estado e, finalmente, dinheiro eletrônico. Essas formas de dinheiro não po­
dem existir sem a garantia de suas qualidades em relação à base metálica.


Assim como a determ inação do padrão dos preços, tam bém a cunhagem de moedas é
tarefa que cabe ao Estado. Nos diferentes uniformes nacionais que o ouro e a prata ves­
tem , mas dos quais voltam a se despojar no mercado m undial, m anifesta-se a separação
entre as esferas internas ou nacionais da circulação das m ercadorias e a esfera universal
do m ercado m undial.30

Surge então a questão das inter-relações entre essas formas radicalmente dife­
rentes de expressão do valor (por exemplo, ouro versus moedas versus dinheiro de
bancos centrais e instrumentos monetários nacionais versus internacionais). Aqui,
o paralelo com as projeções cartográficas é útil. Algumas projeções mantêm a pre­
cisão da direção, mas distorcem todo o resto, ao passo que outras representam com
precisão áreas, formas ou distâncias, em detrimento de todas as outras caracterís­
ticas. E assim é com as diferentes formas de dinheiro. Diferentes representações
servem a diferentes propósitos. Espera-se que as coisas não funcionem para outros
fins além dos originais, mas evidentemente elas o fazem com regularidade. O di­
nheiro usado de determinada maneira (como meio de economia, por exemplo)
pode repentinamente assumir o papel de meio de circulação e vice-versa. Como
Marx assinala ironicamente, se estivermos interessados apenas em dinheiro como
meio de circulação de mercadorias, então moedas e notas falsas servem tão bem
quanto moedas fiduciárias endossadas pelo Estado31.

29 Idem, O capital, Livro I, cit., cap. 3.
30 Ibidem, p. 198.
31 Idem, Grundrisse, cit., p. 156.
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