A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1

72 / A loucura da razáo econômica


o padráo-ouro do valor precisamente por suas qualidades materiais, que permane­
ciam constantes ao longo do tempo; além disso, as quantidades da base metálica
aumentavam muito lentamente em relação à reserva de ouro retirada da terra. Essa
forma de dinheiro rigidamente contida contrastava com a efervescência do sistema
de crédito. Marx fala dela da seguinte maneira:


O sistema monetário é essencialmente católico; o sistema de crédito, essencialmente
protestante. The Scotch hategold [os escoceses odeiam dinheiro]. Como papel, a exis­
tência monetária das mercadorias é puramente social. E a Jè que salva. A fé no valor
monetário como espírito imánente das mercadorias, a fé no modo de produção e sua
ordem predestinada, a fé nos agentes individuais da produção como meras personifica­
ções do capital que se valoriza a si mesmo. Porém, assim como o protestantismo não se
emancipa dos fundamentos do catolicismo, tampouco o sistema de crédito se emancipa
da base do sistema monetário.37

Em tempos favoráveis, o crédito, “que é também uma forma social da riqueza,
expulsa o dinheiro e usurpa seu lugar”, de modo que


a forma-dinheiro dos produtos apareça como algo evanescente, ideal, mera represen­
tação. Tão logo o crédito é abalado [...] pretende-se que toda a riqueza real seja efetiva
e subitamente convertida em dinheiro, em ouro e prata; uma pretensão disparatada,
decerto, mas que emana necessariamente do próprio sistema. Todo o ouro e toda a
prata de que se deve dispor para atender a essas enormes pretensões limitam-se a alguns
poucos milhões nos cofres do banco.38

O valor das mercadorias precisa então ser sacrificado “para assegurar a existên­
cia imaginária e autônoma desse valor no dinheiro”. Esse sacrifício é “inevitável na
produção capitalista e constitui uma de suas belezas”39.
“A existência de certa quantidade de metal, insignificante em comparação com
a produção total, é reconhecida como pivô do sistema.” A estrutura é a seguinte:
“O banco central é o pivô do sistema de crédito. A reserva metálica é, por sua vez,
o pivô do banco”40. É “inevitável” que, “nos momentos críticos”, o sistema de cré­
dito desabe sobre o monetário. Consequentemente, a base metálica constitui um
“limite a um só tempo material e fantástico da riqueza e de seu movimento”. É


37 Karl Marx, O capital, Livro III, cit., p. 652.
38 Ibidem, p. 633-4.
35 Ibidem, p. 574.
40 Ibidem, p. 633 e 632.

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