A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O dinheiro como representação do valor / 75

querem retorno sobre o seu capital (e, de fato, têm o dever fiduciário de fazê-lo),
assim como instituições sem fins lucrativos (como universidades privadas) e indiví­
duos ricos com portfolios de investimento poderosos.
Também sabemos, a partir da brilhante dissecação que Marx faz da circulação
do capital nas formas mercadoria, dinheiro e produtivo no Livro II d O capital,
que, do ponto de vista da circulação do capital-dinheiro, os processos de valorização e
realização são encarados como meras inconveniências no caminho da realização dos
lucros. Se o capital portador de juros conseguisse encontrar um modo de se autova-
lorizar sem passar pela valorização e pela realização, ele certamente o faria. E exata­
mente isso o que permitem as movimentações especulativas que ocorrem no campo
distributivo. Bancos concedem empréstimos a outros bancos, e o que podería ser
mais fácil do que tomar emprestado do Federal Reserve a 0,5% e comprar títulos do
tesouro de dez anos que rendem 2%? São muitos os incentivos para que o capital-
-dinheiro simplesmente se furte de investir na valorização, em particular quando a
taxa de lucro é baixa ou as dinâmicas trabalhistas são atribuladas. A esperança é que
deixar de investir nesses setores venha a criar escassez suficiente para elevar preços e
taxas de lucro, estimulando o capital-dinheiro a escoar de volta para a valorização.
Mas, no meio dessa movimentação especulativa, surgem fundos hedge e de partici­
pação privada que lucram diretamente com todo e qualquer tipo de movimento do
mercado, subidas ou descidas, bruscas ou não. A justificativa que dão para as suas
atividades é que elas ajudam os mercados a equilibrar de maneira mais eficiente a
oferta e a demanda; no entanto, quando são bem-sucedidas (o que geralmente é o
caso), elas fazem isso sugando vastos ganhos monetários da circulação do capital em
geral. A tendência de Marx de recorrer a imagens de vampiros em seus textos parece
tão apropriada aqui como o é para se referir à esfera da produção.
Marx tinha de fato algumas coisas relevantes a dizer sobre a circulação de capital
portador de juros, mesmo em sua época. Com o capital portador de juros, escre­
veu, o “capital aparece como fonte misteriosa e autocriadora [...] de seu próprio in­
cremento”. É aqui que a relação do capital produz “em toda sua pureza esse fetiche
automático do valor que se valoriza a si mesmo, do dinheiro que gera dinheiro”.
“Aqui se completam a forma fetichista do capital e a ideia do fetichismo do capi­
tal.” Trata -se da ' ‘mistificação capitalista em sua forma mais descarada”44. Essa é a
grande traição do valor por meio de sua monetização. Esse é o ápice da distorção
que o dinheiro inflige à forma-valor, que ele supostamente deveria representar.
Os efeitos são muito mais profundos do que apenas a espuma superficial da ati­
vidade especulativa em mercados instáveis. Marx não sabia muito bem como ava­
liar as transformações institucionais que acompanharam a crescente centralização


(^44) Ibidem, p. 442.

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