A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
80 / A loucura da razão econômica

com as formulações hegelianas. A mente burguesa da época, assim como hoje, con­
siderava a dialética um “escândalo”, um “horror”, porque a dialética “inclui, ao mes­
mo tempo, a intelecção de sua negação, de seu necessário perecimento. Além disso,
apreende toda forma desenvolvida no fluxo do movimento, portanto, incluindo o
seu lado transitório”4.
O valor em Marx existe apenas em relação ao antivalor. Embora essa formula­
ção possa soar estranha, vale lembrar que os físicos de hoje se respaldam na relação
entre matéria e antimatéria para interpretar processos físicos fundamentais. Marx
cita com frequência paralelos entre seus esquemas teóricos e aqueles encontrados
nas ciências naturais. Se essa analogia estivesse disponível na época, ele provavel­
mente se teria valido dela. As leis evolutivas do capital repousam sobre o desdobra­
mento da relação entre valor e antivalor de maneira semelhante à forma como as
leis da física repousam sobre as relações entre matéria e antimatéria. Essa oposição
existe até mesmo no ato de troca, na medida em que uma mercadoria precisa ser
valor de uso para o comprador e um não valor de uso para o vendedor. Ou, como
Marx afirma mais filosoficamente nos Grundrisse: “Como constitui a base do capi­
tal e, portanto, necessariamente só existe por meio da troca por equivalente, o valor
repele necessariamente a si mesmo [...]. A repulsão recíproca dos capitais já está
contida no capital como valor de troca realizado”5.
Não há nada místico nem obscuro na negação do valor no momento da realização.
Todos os capitalistas sabem que o sucesso de sua empreitada só está garantido quando
a mercadoria foi vendida por um valor monetário mais elevado do que aquele gasto
com salários e meios de produção. Se não conseguirem isso, deixam de ser capitalistas.
O valor que imaginavam ter após colocar trabalhadores assalariados para fabricar uma
mercadoria não se materializaria. Mas o conceito de antivalor tem um papel mais
onipresente do que esse. No mundo de Marx, o antivalor não é um acidente infeliz, o
resultado de um erro de cálculo, e sim uma caraterística intrínseca e profunda da pró­
pria natureza do capital: “se por meio do processo de produção o capital é reproduzido
como valor e valor novo, ele é ao mesmo tempo posto como não valor, como algo que
primeiro tem de ser valorizado pela troca’6. Tanto a perspectiva quanto a realidade do
antivalor estão sempre lá. O antivalor precisa ser superado — resgatado, por assim dizer—
para que a produção de valor sobreviva às fainas da circulação.
O capital é valor em movimento, e uma pausa ou redução na velocidade desse
movimento, por qualquer razão que seja, significa uma perda de valor, que pode


4 Ibidem, p. 91; Fred Moseley eTony Smith (orgs.), Marxs Capital and Hegel’s Logic: A Reexamina-
tion (Chicago, Haymarket, 2015).
5 Karl Marx, Grundrisse, cit., p. 345.
6 Ibidem, p. 328.
Free download pdf