90 / A loucura da razão econômica
toma a forma de mercadoria, dinheiro, mercadoria e volta novamente. Não há na
da que leve alguém que vendeu uma mercadoria por dinheiro a usar imediatamen
te esse dinheiro para adquirir outra mercadoria. Se todos os agentes econômicos
decidirem por alguma razão (por exemplo, no caso de uma falência generalizada da
crença no sistema) reter e poupar dinheiro, a circulação cessa e a economia entra
em colapso, na medida em que o valor é negado. E o que Keynes denominou pos
teriormente a “armadilha da liquidez”. O antivalor prevalece sobre o valor, porque
o valor só pode permanecer como tal se estiver em movimento contínuo. A perda
cumulativa (desvalorização) do valor dos ativos nos Estados Unidos na crise de
2007-2008 foi da ordem de 15 trilhões de dólares (quase o valor de mercado do
saldo total de bens e serviços em um ano).
A importância do emparelhamento entre valor e antivalor no pensamento de
Marx, quando não é ignorada, recebe pouca atenção em apresentações sobre o assun
to. No entanto, uma formulação dialética baseada na negação do valor (formulação
que as correntes econômicas clássica e neoclássica, dadas suas inclinações positivistas,
não têm como apreender) é fundamental para compreender a tendência do capital
à crise. Até que ponto o próprio Marx compreendeu todas as implicações disso é
uma questão interessante. A investigação extensa, e muitas vezes confusa, do sistema
financeiro inglês no Livro III mostra que ele compreendia muito bem que “uma
acumulação de capital-dinheiro de modo geral não significa nada mais do que uma
acumulação de [...] reivindicações à produção”24. Banco e crédito estavam se tor
nando o “meio mais poderoso de impulsionar a produção capitalista para além de
seus próprios limites”, e também “um dos mais eficazes promotores das crises e da
fraude”25. Uma acumulação irrestrita de capital fictício podería implicar que se apaga
“até o último rastro toda a conexão com o processo real de valorização do capital”. O
efeito seria o de reforçar a ilusão “do capital como um autômato que se valoriza por
si mesmo”26. Deposito dinheiro em uma caderneta de poupança e ele gera juros de
maneira exponencial. Parece mágico. Não faço nada e ele aumenta!! Mas agora parece
que toda a economia deveria crescer dessa maneira. Não é à toa que Marx considera
va o sistema financeiro o ápice das tendências fetichistas do capitalismo.
O sistema de crédito é uma “forma imánente do modo de produção capitalista”
e um dos poderes-chave que movem a acumulação infindável de capital.
[A] valorização do capital, baseada no caráter antagônico da produção capitalista, só
consente até certo ponto em seu desenvolvimento real, livre, pois na realidade constitui
24 Fred Moseley, Marxs Economic Manuscript o f1864-1865 (Chicago, Haymarket, 2017), p. 560.
25 Idem, O capital, Livro III, cit., p. 669.
26 Ibidem, p. 526.