A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
Antivalor: a teoria da desvalorização / 93

cujo uso pode contribuir para aumentar o mais-valor relativo graças à redução dos
custos dos bens salariais, diminuindo assim o valor da força de trabalho e gerando
uma maior quantidade de mais-valor para o capitalista. Marx argumenta que as
despesas envolvidas na circulação e na administração estatal deveríam ser conside­
radas deduções da produção de valor e mais-valor31. Os custos da circulação no
mercado (além dos custos de transporte e logística), sejam eles pagos pelo capitalis­
ta industrial, sejam eles pagos pelo capitalista comercial, são considerados deduções
necessárias do valor em potencial que já passou pelo processo de produção. O que
se consegue economizar dessas despesas de circulação e otimizar nos tempos de cir­
culação culmina, diz Marx, na “redução da negação dos valores criados”. Contudo,
se menos é deduzido por conta de um aumento da taxa de exploração do trabalho
improdutivo, então sobra uma quantidade maior de mais-valor para o capitalista.
Atividades improdutivas, porém socialmente necessárias (como contabilidade, co­
mércio varejista, regulação estatal e aparelhos de aplicação da lei) não são inerente­
mente anticapitalistas.
Mas, se todos tentassem ganhar a vida por esses meios e ninguém se dedicasse
à produção, o capital se extinguiría. Prevalecería o antivalor. A conclusão que se
impõe é evidente: a absorção excessiva (em oposição à socialmente necessária) da
força de trabalho na circulação (que não produz valor), somada à hiperburocrati-
zação, que não produz valor algum (tanto nas empresas como no setor estatal), é
uma ameaça à reprodução do capital, mesmo que não seja explicitamente antica­
pitalista na forma ou na intenção. Essa é uma das maneiras acidentais pelas quais o
valor em movimento pode emperrar. Despesas infladas e ineficiências crescentes na
circulação, na regulação e no suporte burocrático (inclusive policiamento) podem
absorver improdutivamente grandes quantidades de valor. Se, como defendem al­
guns economistas convencionais, grande parte da economia estadunidense vem se
dedicando a atividades “concorridas, mas inúteis”, isso funciona como um peso
sobre o ritmo de produção e circulação de valor e mais-valor. Essa seria a explicação
para a “grande estagnação” do capitalismo contemporâneo, segundo certas hipóte­
ses. É lugar-comum em quase todas as críticas de direita ao Estado que excesso de
burocracia e regulação são o grande inimigo das liberdades do mercado e, portanto,
do pleno desenvolvimento do capitalismo, que supostamente beneficia a todos. O
mais notável feito de Marx foi, é claro, ter demonstrado definitivamente no Livro I
d’O capital que o capitalismo de livre mercado sem nenhuma regulação não be­
neficiaria a todos, apenas concentraria cada vez mais riqueza e poder nas mãos do
1% de cima. Mas a crítica de direita tem razão ao enfatizar os efeitos deletérios do
apelo excessivo ao trabalho improdutivo sobre a produção e a circulação de valor.


31 Idem, O capital, Livro II, cit., cap. 6.
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