A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
96 / A loucura da razão econômica

A resposta de Marx é que eles sao análogos às máquinas: não podem ser uma fonte
de valor como definido pelo capital, mas são fonte de mais-valor relativo para a
classe capitalista, na medida em que contribuem para a produtividade da força de
trabalho. Há hoje uma vontade generalizada de incorporar ao regime capitalista
de produção e circulação de valor tudo aquilo que “não é valorizado ”. A estratégia
é compreensível (em parte pelas conotações positivas que possui um termo como
valor e pela demanda compreensível de reconhecimento do que muitas vezes é
ignorado). Mas, politicamente, ela acaba produzindo o efeito oposto. Ela deixa
de compreender a função dialética do não valor ou antivalor (e do trabalho não
alienado e do tempo disponível) na política de oposição. É a partir dos espaços de
não valor e de trabalho não alienado que se pode elaborar urna crítica profunda e
disseminada ao modo de produção capitalista, de sua forma particular de valor
e de suas alienações. E é também a partir desses lugares que é possível identificar
melhor os contornos de uma possível economia pós-capitalista. Ser um produtor
de valor e de mais-valor no modo de produção capitalista “não é”, comenta Marx,
“uma sorte, mas um azar”36.
Conhecimento, informação, atividades culturais e afins são sempre passíveis
de serem transformados em mercadoria e integrados ao capitalismo. Ao mesmo
tempo, seu potencial para atividades não alienadas e livres forma uma espécie de
vanguarda para a política anticapitalista. A partir dessa posição contraditória, pro­
dutores culturais de todos os tipos constituem um bloco potencial significativo
para a ação política radical. A busca dos produtores culturais por uma vida não
alienada, em face da apropriação de seus produtos por uma classe rentista parasi­
tária, é um ponto de tensão crescente. No mais das vezes, porém, sua política gira
em torno das condições de realização, embora as condições de produção sejam um
terreno contestado de controle capitalista.
Da mesma maneira, o fato de o trabalho doméstico realizado no interior da
esfera familiar não ser computado no cálculo de valor indica que esse seria outro
possível lugar para se articular uma política anticapitalista (supondo que as aliena­
ções e contradições internas quanto a gênero, patriarcado, sexualidade e criação de
filhos possam ser resolvidas). Ainda que cada vez mais atividades domésticas sejam
mercantilizadas e integradas ao mercado (desde marmitas até corte de cabelo e
de unhas), o tempo de trabalho despendido nos domicílios cresce, apesar (alguns
diriam justamente por conta) do advento de tecnologias que poupam e otimizam o
trabalho doméstico (máquinas de lavar e aspiradores de pó robotizados). Mas o tra­
balho para os outros nos domicílios, atravessando solidariedades sociais mais am­
plas em torno da produção e proteção dos bens e recursos comuns, pode se tornar


36 Idem, O capital, Livro I, cit., p. 578.
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