A BOLA
Sábado
1 de agosto de 2020
TAÇA DE PORTUGAL 05
Futebol
Estádio das Antas, Porto
21 de agosto de 1983
0
FC PORTO
JOSÉ MARIA PEDROTO SVEN-GORAN ERIKSSON
0 INTERVALOAO 1
BENFICA
1
TAÇA DE PORTUGAL 1982/1983 — FINAL
ÁRBITRO Mário Luís (Santarém)
GOLO Carlos Manuel (20m)
FC PORTO — Zé Beto; João Pinto, Lima Pereira,
Eurico e Inácio (Rodolfo, 45m); Jaime Magalhães
(Walsh, 45m), Frasco, Jaime Pacheco e Sousa; Jacques
e Gomes «cap».
BENFICA — Bento; Pietra, Bastos Lopes, Oliveira e
Álvaro; José Luís, Carlos Manuel, Stromberg (Shéu,
85m) e Veloso; Filipovic (Padinha, 59 m) e Nené «cap».
Bento na defesa
de Zé Beto:
«Não foi frango!»
Podia ser mentira, mentira que Sven-
-Goran Eriksson tenha dito a Fernando
Martins que se o Benfica levasse para a
final da Taça de 1982/1983 no Estádio
das Antas, a sua equipa de juniores –
mas verdade é que, ao saber da ideia,
não calou o seu espírito: «Não, senhor,
em qualquer parte do Mundo, temos de
jogar com os melhores – e sendo nós o
Benfica, ainda mais. Por isso, acabem
com a confusão – e vamos lá ganhar...»
Sem Chalana (lesionado), A BOLA
vincou-o: notável foi a exibição de Bento
- e Eriksson juntou-lhe: «O FC Porto
teve a bola mais tempo, mas o Benfica
jPicada de Pedroto não foi só
por ter visto o Benfica a atirar
«bolas para o quintal»...
conseguiu o mais importante: a vitória –
e conseguiu porque teve a cabeça no
lugar, o tempo todo. E o que ainda
valoriza mais tudo isto é que o FC Porto
tem grande equipa, com destaque para
Gomes, que é fantástico.» De Taça
perdida, Fernando Gomes acompanhou
Nené ao alto da tribuna para a receber —
e a caminho do balneário não perdeu o
olhar crítico: «O Benfica pareceu-me
abaixo das suas possibilidades, só que o
FC Porto conseguiu ser ainda pior por
sentir a responsabilidade da vitória na
nossa casa. E se o FC Porto acabou por
ser infeliz, o golo do Benfica foi de uma
enorme felicidade.»
O golo da vitória marcou-o Carlos
Manuel aos 20 minutos: «Um remate de
fora da área... Às vezes, a gente engana-
-se e eu enganei-me algumas vezes.
Chutei, o Zé Beto, que Deus o tenha,
coitado, não podia fazer nada.» Isso
afirmou muito anos depois – e lá, nas
Antas, no momento da euforia solta, o
que disse foi: «O Benfica demonstrou
uma vez mais as suas qualidades e
venceu com todo o mérito.»
Zé Beto defendeu-se em palavra solta:
«Quando vi a bola já era tarde, o pontapé
do Carlos Manuel partiu numa altura em
que eu estava tapado e, para além disso,
a bola fez uma trajetória esquisita, talvez
devido ao vento também, mas não, não
me sinto responsável por esta derrota
com que não contávamos.» Bento foi de
pronto em igual defesa: «Golo do Carlos
Manuel não é frango! Era indefensável. E
esta nossa vitória é notável, pois este FC
Porto é uma equipa poderosa, treinada
pelo melhor treinador português.»
José Maria Pedroto não espalhou grande
polémica no desabafo (ainda assim, não
deixou de pôr por lá uma picadinha):
«Felizmente, foi uma festa de futebol,
num jogo sem casos. Por estar a jogar
nas Antas, o FC Porto tinha em si grande
carga psicológica, deixando-se cair, aqui
e ali, em excesso de nervosismo. O
Benfica ganhou bem, mas foi feliz. Teve o
tónico do golo cedo, um grande golo – e
a partir daí fez pela vida, tentando
quebrar-nos o ritmo com simulações de
lesões e até a bola atirada para o quintal.
Em situação normal, seria um Benfica
perfeitamente ao alcance do FC Porto,
mas, mais uma vez, a equipa da Luz
utilizou todo o seu poderio para não jogar
na data marcada em que reconhecia
estar em muito má forma...»
lho a caminho de receber a Taça
de Portugal de 1979/1980, vendo
Américo de Sá em alegre confrater-
nização com Martins Canaverde
(presidente da AG do Benfica e seu
companheiro de partido no Parla-
mento), Pinto da Costa indignou-
-se — e mal se cruzou com o seu
presidente, disparou: «Estou can-
sado de lutar quase sozinho contra
os interesses do centralismo.»
Anunciado estava que para trei-
nador de campo do FC Porto iria
Artur Jorge, passando José Maria
Pedroto para função que seria no-
vidade em Portugal: manager —
mas, no rescaldo da ira desperta-
da pela Taça perdida, Américo de
Sá afastou Pinto da Costa da che-
fia do Departamento de Futebol do
FC Porto. Pedroto solidarizou-se
com ele, foi demitido. Artur Jorge
recusou tomar o cargo, Pinto da
Costa revelou-o: «O dr. Américo
disse-me que nos teríamos de con-
dicionar a Lisboa» — e mais mor-
daz juntou-lhe: «Acusou-me e ao
senhor Pedroto, de virarmos o País
contra o FC Porto, não concreti-
zando quais a guerras em que eu e
o senhor Pedroto tínhamos preju-
dicado o clube. A única coisa de
que falou foi dos meus ataques ao
dr. Canaverde e ao secretário de
Estado, ataques de que se doeu po-
liticamente. Ou seja, quando nos
atacou, por causa das nossas posi-
ções públicas não foi o presidente
que falou, foi o político.»
Com as Antas a caminho do seu
Verão Quente — a Pedroto apa-
nhou-se, afiada, a truculência:
«De tudo o que se passou se pro-
va que Américo de Sá só queria
entrar na Assembleia da Repúbli-
ca com a cabeça de Pinto da Cos-
ta debaixo do braço mas leva na
testa o grande letreiro de traidor.»
PC DE NOVO, LISBOA E COLONIZAÇÂO
Com Herman Stessl a treinador
o que poderia ser o seu único títu-
lo: a Taça de 1980/1981 — perdeu-
-o no hat trick de Nené — e, andan-
do-se já por abril de 1982, o FC
Porto voltou ao futuro, com Pinto
da Costa na sua presidência. José
Maria Pedroto aceitou, claro, retor-
nar ao «banco da tortura» — e, na
luta pelo campeonato com o Ben-
fica de Eriksson as contas com-
plicaram-se-lhe em derrota em
Setúbal — com Fernando Vascon-
celos, novo chefe do Departamen-
to de Futebol, em linguagem de
outrora: «O campeão foi decidido
antes de se ter iniciado o campeo-
nato. Não é possível tanto desca-
ramento, tanta falta de vergonha,
tanta falta de personalidade, como
teve o sr. Santos Ruivo. Nós não
perdemos o jogo, roubaram-nos
dois pontos.» Se ainda havia espe-
rança ao fundo do túnel, apagou-
-se com o empate a zero do Ben-
fica nas Antas, com Gomes a falhar
um penálti (oito dias antes no Es-
toril fizera o mesmo — e o resul-
tado fora 1-1).
Sem campeonato, o primeiro tí-
tulo da história da presidência de
Pinto da Costa poderia, ainda, assim,
sair da Taça — e talvez nunca a Taça
tivesse posto tanta polémica em las-
tro como nessa edição de 1982/1983.
Romão Martins (que fora destacado
dirigente do Benfica) ainda estava
na presidência da FPF oferecera à
AF Porto a disputa da final nas An-
tas — e já com Silva Resende no car-
go tentou-se que voltasse ao Estádio
Nacional. Em Assembleia Geral ex-
plosiva, os portistas aprovaram, por
aclamação, moção determinando
que se a final fosse no Jamor, o clu-
be não a jogaria. «Vamos ver se a
Direção da FPF tem coragem de
mandar o FC Porto para a II Divisão»,
bradou Pinto da Costa, acrescentan-
do: «Lisboa não pode continuar a
colonizar o resto do País, o desejo
deles é que o FC Porto desça de di-
visão.» Por entre manobras e peri-
pécias, ameaças e dúvidas, foi mes-
mo nas Antas que a final da Taça se
jogou — e o Benfica ganhou-a num
pontapé de Carlos Manuel (que foi
uma espécie de prenúncio do que,
depois, haveria de fazer pela Seleção
— pondo-a no Mundial do México).
Não, não foi
Eriksson que
obrigou Martins
a levar o melhor
Benfica às Antas
Tendo eliminado o Palmelense (6-0), o
União de Coimbra (4-0), o Famalicão (5-0),
o SC Espinho (3-1), o SC Braga (3-0),
fulgurante foi o modo como o FC Porto
despachou o Académico de Coimbra nas
meias-finais: 9-1 (com quatro golos de
Fernando Gomes). O Benfica passara pelo
Campinense (8-1), Atlético (6-0), Paços de
Ferreira (5-1), Leixões (2-1), Sporting (3-0)
e Portimonense (1-0) – e, ao ver-se, assim,
na final abriram-se movimentações com
intuito de se pôr de novo a disputa da final
no Estádio Nacional – e não tardou que a
direção da FPF, sob presidência de Silva
Resende, admitisse que sim, insinuando-se
a possibilidade de a disputar em Coimbra,
no Calhabé (e o argumento era: «ficar a
meio caminho entre Lisboa e o Porto»).
Desatou-se a guerra por entre
comunicados, recursos, protestos – e sete
dias após a inflamada Assembleia Geral do
FC Porto, no Pavilhão Dr. Américo de Sá,
onde se decidiu que o FC Porto no Jamor
não jogava, a 8 de junho de 1983 o
Conselho de Justiça decidiu-se pelo
adiamento do jogo, indo jogadores de um
lado e do outro para férias – mas de
prevenção por a nova data do jogo poder
marcar-se, de um instante para o outro.
De defeso cumprido, apontou-se, enfim, o
dia: 21 de agosto de 1983 – com a questão
fechada: Estádio das Antas, em vez de
Estádio Nacional. O Benfica não deixou de
cumprir sem desvio o que programara na
pré-época – e passou até por digressão
pela América e as águas voltaram a agitar-
-se quando se largou a hipótese de ir às
Antas, mas ir às Antas com a equipa de
juniores. A FPF enviou, solene, convites
para que Ramalho Eanes (o Presidente da
República que ainda não se sabia dragão de
ouro) e Mário Soares (o primeiro-ministro
que andava num afã a abrir, desesperado,
as portas de Portugal ao FMI – por entre
desemprego a galope e bandeiras negras a
jSó à última hora se decidiu que
contra o FC Porto já não jogaria,
afinal, a equipa de juniores
denunciar fome a crescer) – e colocou o
bilhete para a geral a 500 escudos, a central
a 1250 (uma camisa de homem andava a
495 pelos saldos, quem se atrevesse a ir ao
Bar 25 ver, por binóculo, mulheres nuas,
pagava 75 escudos por «minuto de
prazer», a Câmara de Vila Franca tinha
instrutor de Educação Física a 23 600
escudos por mês – e 350 contos era o
ordenado normal entre os jogadores
benfiquistas, os prémios é que eram
chorudos). O suspense só se quebrou na
véspera: o Benfica decidira jogar nas Antas
«na sua máxima força». Correndo, porém,
rumor de que fora Sven-Goran Eriksson
que o forçara, Fernando Martins, o seu
presidente desmentiu-o, em entrevista a A
BOLA: «É verdade que pensámos recorrer
para o Conselho de Justiça, tínhamos, aliás,
pronto o recurso que nos daria quase de
certeza a garantia de não se jogar a final da
Taça nas Antas, mas pela responsabilidade
do clube, a grandeza e o prestígio do
Benfica, o respeito pelo público e o futebol,
só havia uma solução: comparecer com a
equipa principal, no Porto. Qualquer outra
solução constituiria machadada no futebol,
a juntar a outras que lhe vêm dando e que o
Benfica recusa fazer. E não, não é verdade
o que certa rádio noticiou: que o senhor
Eriksson só estaria, ele próprio, no banco,
se, no campo, estivesse. E também
desminto que tenhamos sido pressionados
por vários jogadores a ir por esta decisão.»
Ao sair da festa que golo de Carlos Manuel
pintou de vermelho nas Antas, Fernando
Martins revelou apenas uma ponta de
mágoa: «Fiquei impressionado com este
jogo. Apesar de tudo, não compreendo por
que razão a massa associativa do FC Porto
nos insultou e difamou, pelo que fiquei
muito triste. Ao invés, a direção do FC Porto
recebeu-nos muito bem, o sr. Pinto da
Costa demonstrou grande espírito
desportivo, pelo que fiquei muito
contente.» Não, nem Eanes, nem Soares lá
estiveram – do Governo viram-se pelas
Antas a pouco mais de meia-casa três
secretários de Estado: o do Desporto
(Miranda Calha) e dois que haveriam de
marcar a história do futebol nacional:
Mesquita Machado e Fernando Gomes
(não, o presidente da FPF). No DL dizia-se
que «dia grande» fora para os «mãozinhas
leves» (como se chamava aos carteiristas:
«deve ter sido tão boa a colheita que não
faltaram, em torno do estádio, as carteiras
vazias, espalhadas pelo chão». E de
«roubos de igreja» (ou sequer de erros de
arbitragem») também ninguém falou.
ASF
Gomes foi com Nené receber a Taça da polémica onde nem Eanes nem Soares estiveram
Bento, o melhor em campo nas Antas
ASF