06 A BOLA
Quinta-feira
6 de agosto de 2020
BENFICA jENTREVISTA
Futebol
CEO da Heinz Kraft
(uma das maiores
empresas mundiais de bens
alimentares) é benfiquista com
memórias de Eusébio e de do-
mingos felizes na Luz. Conti-
nua a seguir o clube com pai-
xão. Deixa de lado as emoções
quando é convidado a avaliar
eventual interesse da Heinz
em comprar os direitos de ‘na-
ming’ do Estádio da Luz
«Benfica sempre foi uma forma
de manter a ligação a Portugal»
H
Á cerca de um ano foi no-
meado CEO da Heinz-
-Kraft. Sabemos que é
benfiquista. Pode contar-
-nos um pouco do seu
percurso?
— Nasci em Lisboa, a 11 de maio
1966 [54 anos]. Cresci em Oeiras. Os
meus pais são da Beira Baixa, do
concelho de Mação. Tive uma infân-
cia incrível, com memórias incrí-
veis. Os meus pais, quando era pe-
queno, quando tinha nove/dez
anos, foram para o Brasil, fruto das
consequências económicas do 25
de abril. Os meus pais precisavam
de trabalhar e foram para o Brasil.
Por lá ficaram dez anos e depois
voltaram a Portugal, com a minha
irmã, que mora em Coimbra. Já es-
tava na faculdade e terminei-a no
Brasil. Tenho uma família muito,
muito grande e estou muito próxi-
mo e unido a Portugal, mesmo com
sotaque brasileiro [risos].
— Pode falar-nos um pouco des-
sas memórias em Portugal?
— Todas as férias eram Mação. O
meu pai tinha nove irmãos, então
tenho 26 primos de primeiro grau
só do lado do meu pai. As férias
eram sempre em Mação com a fa-
mília. Quando era pequeno, um dos
meus tios, do lado da minha mãe,
era sócio e fanático do Benfica e le-
vava-me aos jogos de futebol. E lá
ia eu com o tio Abílio. Aí nasceu o
Entrevista de
NUNO PARALVAS
meu amor pela camisola encarna-
da, pelo Benfica. Sempre segui o
Benfica. Leio todos os dias três jor-
nais: Wall Street Journal, Financial
Times e A BOLA. E assim fui se-
guindo o futebol de Portugal pela
minha vida toda e é, também, uma
forma de continuar ligado ao País.
Quando era criança joguei hóquei
em patins, no Brasil também jo-
guei na Portuguesa e no Palmeiras,
durante 14 anos. Fui campeão de
hóquei em patins no Brasil. Sempre
estive muito ligado ao Desporto e ao
Desporto português. Os meus ído-
los sempre foram desportistas por-
tugueses.
— Como foi, para si, a mudança
de Portugal para o Brasil, conside-
rando que Portugal era um país sub-
desenvolvido?
— Fui para São Paulo e fomos
Miguel Patrício, 54 anos, falou por telefone com A BOLA em junho
muito bem acolhidos. Brasil é um
país cheio de problemas, mas é um
país incrível. Foi uma mudança
muito difícil para os meus pais. Para
as crianças é mais fácil, nos dias se-
guintes adaptam-se e têm novos
amigos. Principalmente para a mi-
nha mãe foi muito difícil ficar lon-
ge da família de Portugal.
— Disse que foi para a faculda-
de. Qual foi a licenciatura que tirou?
— Fiz Gestão.
— E começou logo a trabalhar
na Johnson & Johnson?
— Sim, no Brasil primeiro, depois
fui para os Estados Unidos, Améri-
ca Central. Fui contratado pela
Coca-Cola, voltei para os Estados
Unidos, fui trabalhar em Atlanta e
mais tarde fui contratado para vol-
tar ao Brasil para ser o head marke-
ting da Philip Morris. Há 22/23 anos
juntei-me à cervejaria do Brasil,
que era a Brahma, que se transfor-
mou em Ambev, depois em InBev,
depois em Anheuser-Busch InBev.
Transformou-se na maior empre-
sa de cerveja do mundo. Fui cres-
cendo com a companhia. Fui pre-
sidente para a América do Norte,
presidente para a Ásia, morei cin-
co anos na China, em Xangai. Já
morei em todo o lado: Portugal,
Brasil, Panamá, Canadá, Bélgica,
China. Depois da China, voltei para
os Estados Unidos, trabalhei em
Nova Iorque como head global
marketing e há um ano recebi o con-
vite para ser o CEO global da Kraft
Heinz. E aqui estou.
— Qual foi a maior riqueza de
ter trabalhado em tantos sítios e
em cargos tão importantes?
D. R.
j
MIGUEL PATRÍCIO
— A maior riqueza é perder to-
dos os preconceitos da vida. Temos
de nos acostumar e adaptar às cul-
turas locais. E aprender que não são
as culturas que se adaptam a nós,
mas nós que temos de nos adaptar
às culturas. Nesse sentido, o país
mais incrível e o lugar onde mais
gostei de estar foi a China. É, real-
mente, muito diferente. E também
me proporcionou uma satisfação
muito grande. A China é um país in-
crível e os chineses são incríveis.
— Porque foi chamado para CEO
da Kraft Heinz? O que lhe pediram
os acionistas?
— Tenho uma experiência global
e isso é muito importante para uma
empresa global. Trabalhei em mui-
tos lugares e, obviamente, em car-
gos de Direção. Fui presidente da
Ásia, não era só China, era China,
Índia, Coreia do Sul, Vietname e em
todos os países que tínhamos ope-
rações. Trabalhei no Canadá, fui
presidente para a América do Nor-
te, na InBev. Trabalhei no Brasil,
sou português, europeu, tinha ex-
periência em cargos superiores, em
posições de liderança. Essa foi uma
razão. A segunda foi a minha expe-
riência em marketing. Para uma em-
presa de bens de consumo, as po-
sições mais importantes são na área
comercial. Além de liderança, tinha
experiência grande e com sucesso
na área comercial.
— A herança foi pesada e en-
frentou logo uma pandemia. Como
estão a correr as coisas?
— A empresa tem um lucro de
seis mil milhões ao ano. Teve foi
uma redução dos lucros nos últi-
mos dois anos, 2018 e 2019. A pan-
demia é um momento incrível. Ob-
viamente há uma crise mundial,
mas é, ao mesmo tempo, um mo-
mento de muitas oportunidades.
Winston Churchill disse um dia:
«Never waste a good crisis [Nunca
desperdice uma boa crise]». E é isso
mesmo. Os momentos de crise são
os momentos em que as pessoas es-
tão mais suscetíveis à mudança.
Entendem que é preciso haver mu-
dança. Como a nossa empresa pre-
cisa de transformação, é um mo-
mento em que tenho de energizar
as bases, comunicar a necessidade
de mudança, definir a estratégia da
Direção e fazer acontecer. Vejo a
pandemia, na realidade, como um
momento de muita oportunidade.