SPORTING 11
11 de agosto de 2020
çNo dia em que se cumprem
cinco anos sobre a morte de Jorge
Gonçalves, um dos mais contro-
versos presidentes da história do
Sporting, há várias perguntas
que permanecem sem resposta.
Por que motivo foi ao banco no
dia em que alegadamente se en-
forcou? Porque é que atestou o
carro? Porque não deixou uma
carta de despedida a justificar o
alegado suicídio?
Na época, a Polícia Nacional de
Angola prometeu uma investi-
gação para apurar o que sucedeu
naquele dia 11 de agosto de 2015,
em Cabo Ledo, a 70 quilómetros
de Luanda, onde Jorge Gonçal-
ves, de 67 anos, residia, desde
que deixara a presidência do clu-
be de Alvalade, a 18 de maio de
- O resultado da investiga-
ção nunca foi tornado público.
E assim, a história do antigo
presidente resume-se, sobretu-
Jorge Gonçalves foi
controverso e, apesar
de lhe ter sido dada razão,
nunca lhe foi feita justiça
CONTROVERSO. Jorge Gonçalves foi muito criticado após a curta passagem pela presidência
PEDRO CATARINO
Após partir para África, rara-
mente Jorge Gonçalves regres-
sou a Portugal. Porém, sempre
que se deslocava a Lisboa, visi-
tava o Estádio José Alvalade,
para matar saudades.
VISITAS ESPORÁDICAS
MORTE DO ‘BIGODES’
NÃO APAGA LEGADO
EX-PRESIDENTE DO SPORTING DESAPARECEU HÁ CINCO ANOS
do, a 11 meses de enorme tensão,
em que a vida do Sporting ficou
marcada pelas permanentes di-
ficuldades financeiras e salários
em atraso. Não apenas no fute-
bol, mas também nas modalida-
des ditas amadoras.
Segundo os números divulga-
dos pelo Conselho Fiscal e Disci-
plinar que tomou posse em 1989,
na sequência da saída de Jorge
Gonçalves, presidido por Jesus
Oliveira, durante o mandato an-
terior, o passivo do Sporting au-
mentou de 1.160.000 contos
(cerca de 5,5 milhões de euros)
para 2.400.000 contos (cerca de
12 milhões de euros). Ou seja,
mais do que duplicou.
Terá sido este descontrolo nas
contas e, claro, os sucessivos
atrasos no pagamento, não ape-
nas de salários, mas também de
bens essenciais, como a eletrici-
dade ou a água do estádio, que fez
com que fosse acusado de roubar
o clube, perseguido, ofendido na
praça pública e, como recorda
Manuel José (ver peça em baixo),
obrigado a fugir do País, para se
exilar em Angola.
Anos mais tarde, acabaria por
ver os responsáveis leoninos re-
conhecerem que nada devia ao
Sporting. Pelo contrário, era cre-
dor de 1,7 milhões de euros. *
JOÃO LOPES
“Preciso de 2.000 contos para ir até Luanda”
MANUEL JOSÉ EMPRESTOU-LHE O DINHEIRO
çManuel José garante: esta é
uma história que nunca foi con-
tada. “Um dia eu estava em casa,
ele telefonou-me e disse-me:
‘Manuel José, vou ser preso.’
Perguntei porquê. ‘Dizem que eu
roubei o Sporting. Tenho de ir-
-me embora nas próximas 24
horas. Preciso de 2.000 contos
[10.000 euros] para ir até Luan-
da’”, recorda o antigo treinador
dos leões, prosseguindo: “Per-
guntei-lhe se ele não tinha as
contas todas caucionadas e ele
respondeu-me: ‘Tenho uma
conta livre.’ Então, dê-me o nú-
mero dessa conta que eu vou ali
ao banco e faço a transferência
imediatamente.”
A viagem demorou mais de 24
horas. “No dia seguinte, de ma-
nhã, ligou-me, estava em Bada-
joz. Voltou a telefonar à noite, já
de Madrid. No outro dia de ma-
nhã recebi outro telefonema. Já
estava em Luanda”, conta o ago-
ra comentador televisivo, recor-
dando a devolução do dinheiro,
em 1996.
“Fui pescar para a região de
Luanda e liguei-lhe. Ele disse-
-me: ‘Não vá para um hotel! Fica
em minha casa, na ilha do Mus-
sulo.’ Estive lá 20 dias e, quando
me vinha embora, pagou-me os
2.000 contos que eu lhe empres-
tei. Não se esqueceu”, relembra
Manuel José, como que atestan-
do que Jorge Gonçalves “era um
sportinguista ferrenho, que es-
tragou a vida dele toda quando
foi para o Sporting”.
“Era um homem sério, simples
e bom. Os bandidos eram os ou-
tros”, reforça o treinador con-
tratado pelo ‘Bigodes’ para subs-
tituir o uruguaio Pedro Rocha no
comando dos leões. *
DR RECORD
DEVIDO A DENÚNCIA
çA determinada altura do
seu consulado, Jorge Gonçal-
ves deslocou-se à Holanda,
para tentar contratar um jo-
gador para o Sporting. Por ser
perseguido por muitos dos
seus detratores, foi feita uma
denúncia de que o objetivo da
sua viagem era o tráfico de
droga. Chegado a Lisboa, o
presidente do Sporting foi
obrigado a despir-se e a ficar
completamente nu em pleno
aeroporto.
Após ser confirmada a ine-
xistência de qualquer subs-
tância proibida, Gonçalves foi
autorizado a regressar a casa.
Passaram mais de 30 anos,
mas na altura já havia quem fi-
zesse... baixa política. *
Ficou todo nu
no aeroporto
ROCHA ‘TRAMOU-O’
çRicardo Rocha era, além
de um excelente defesa-cen-
tral, um dos mais divertidos
do plantel verde e branco em
1988/89. Certo dia, após uma
conversa no balneário com
Jorge Gonçalves, em que o lí-
der leonino tentava justificar
os atrasos salariais, o futebo-
lista brasileiro virou-se para o
líder da direção e questionou-
-o: “Presidente, o senhor já
viu cobra com pernas?”
Intrigado, Jorge Gonçalves
respondeu, de boa-fé: “Eu sou
de Angola e, francamente, co-
bra com pernas nunca vi!” O
comentário que seguiu desar-
mou o ‘Bigodes’: “Pois, é
como o seu dinheiro... Nunca
ninguém o viu!” *
Dinheiro é cobra
com pernas
Técnico treinou leões