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entrou na moda e na gastronomia re-
quintada, sobretudo em zonas como a
Ericeira, onde se promove inclusivamen-
te o festival do ouriço. Se por um lado há
quem lhe chame o caviar português e lhe
gabe as propriedades únicas, por outro
teme-se que este aumento na procura se
traduza numa exploração desmesurada.
“A procura das ovas do ouriço-do-mar,
tanto em Portugal como no mercado
internacional, tem provocado a intensi-
ficação da apanha, muitas vezes de for-
ma desregrada”, alerta Tiago Verdelhos.
Inclusivamente já houve avistamentos
de barcos espanhóis e asiáticos na costa
portuguesa que estarão envolvidos na
captura destes invertebrados. “O pro-
jeto tem uma componente económica
e de preservação, já que o objetivo de
conseguir uma produção cem por cento
laboratorial contribui para a diminuição
da pressão sobre os stocks naturais”,
sublinha Tiago Verdelhos.
Em cada fase do desenvolvimento está
associada uma taxa de mortalidade, mas
como é habitual em projetos de aquacul-
tura, a fase larvar é a mais sensível e pra-
ticamente todos os projetos, em que se
pretende garantir uma produção integral,
da fecundação ao animal adulto, aca-
baram por não ser bem sucedidos. “Há
condições que já sabemos que provocam
mortalidade, como os picos de amónia na
água, ou o aparecimento de parasitas que
ameaçam as larvas”, diz o investigador
do MARE. Mesmo no caso dos peixes,
normalmente as maternidades, unidades
RECEITA
PARA UM
OURIÇO DE
LABORATÓRIO
1º
INDUÇÃO DA REPRODUÇÃO
A libertação das células sexuais, ou
gâmetas, é induzida, normalmente
pela injeção de cloreto de potássio.
2º
FECUNDAÇÃO
Num recipiente mistura-se o
material libertado pelas fêmeas
- um líquido laranja vivo – e pelos
machos – um líquido amarelo
claro. A mistura deve ter mais
material das fêmeas uma vez que a
concentração de gâmetas é menor.
3º
FASE LARVAR
A formação e desenvolvimento
das larvas corresponde à fase
mais sensível de todo o processo
e demora de um a dois meses. Na
sala onde estão estes aquários
há um controle muito rigoroso da
iluminação e da temperatura.
4º
FASE DE FIXAÇÃO
Já com forma de ouriço, o animal
precisa de se fixar num substrato.
Em laboratório tenta-se reproduzir
o ambiente marinho das rochas. Os
animais são alimentados, em geral,
com algas.
5º
MATURAÇÃO
O animal é ‘engordado’ até pelo
menos aos dois anos, idade em que
já se conseguem reproduzir e em
que o tamanho já está adequado à
comercialização.
Em laboratório é feita
a fecundação, pela
mistura dos gâmetas
femininos, laranja, e
dos masculinos, mais
esbranquiçados
A parte comestível dos ouriços-do-mar
são as ovas ou gónadas. Só um animal
adulto, com cerca de dois anos,
pode ser consumido
muito controladas, não costumam estar
integradas nos sistemas que fazem a dita
engorda. A nível mundial só algumas ex-
periências na Escócia, França e Noruega
conseguem chegar a um animal adulto,
pronto a comer. Mas até agora não há ne-
nhum projeto que possa ser considerado
um sucesso. “O mais bonito [quando se
trabalha em aquacultura] é observar a
transformação da larva num animal já
com aspeto de ouriço”, deslumbra-se
a bióloga marinha. “Em cativeiro nor-
malmente temos 50 a 100 reprodutores.
Muito menos do que existe nas poças ou
nas zonas rochosas.”
QUANTO MAIS LARANJA MELHOR
Do ouriço o que se come são as ovas ou
gónadas, portanto, só o animal adulto
está a modos de ser apreciado. O consu-
midor normalmente procura umas ovas
laranja vivo, com uma boa consistência
e aquele sabor a mar, ligeiramente ado-
cicado. Outro dos desafios do sistema de
aquacultura é conseguir um fornecer
uma alimentação que garanta todas es-
tas características. “As pessoas notam
diferença na cor e na textura”, observa
Tiago. “Ainda não se conseguiu atingir as
características de um animal que cresce
em ambiente natural. Por exemplo, em
cativeiro a cor é mais pálida”, compara o
investigador. Para isso estão a ser testa-
dos corantes naturais, a adição de milho
e cenoura à alimentação e variação no
tipo de algas. Também falta conseguir
acelerar o processo de crescimento e ma-
turação dos animais porque não adianta
ter um animal grande se as suas ovas não
estiverem bem desenvolvidas.
O sistema baseia-se na aquacultura
multitrófica, com recirculação de água,
para reduzir o impacto ambiental. “Ali-
mentamos uma espécie, o ouriço, e há
uma espécie do nível abaixo, a das ma-
croalgas, que se alimenta da amónia,
dos nitritos e dos nitratos libertados”,
concretiza Tiago. “Tudo o que fazemos
tem de ser baseado na evidência”, ob-
serva Marta Ressurreição. Um trabalho
que nunca estará acabado.