OPINIÃO 07
28 de agosto de 2020
çAprendi a gostar de futebol
vendo o grande Vitória de Se-
túbal dos anos 70. Devia ter aí
uns 9 ou 10 anos e, para mim,
não havia maior beleza do que
ver Jacinto João a partir da li-
nha e a fintar meio mundo
para marcar golos ou meter a
bola na cabeça do Bom Gigan-
te, o inesquecível José Torres.
Quem consegue alguma vez
esquecer o verdadeiro rei da
área que foi Vítor Baptista, o
futebol inteligente de Octávio
Machado no centro do campo
ou a linhagem de grandes
guarda-redes que vinham pelo
menos de Félix Mourinho e
Joaquim Torres!?
Mais tarde, já nos anos 80, o
Bonfim também presenciava
verdadeiros hinos ao futebol
com aquelas equipas em que
pontificavam o Jordão, Manuel
Fernandes, Eurico, Quim, Yeki-
ni, Meszaros, Vítor Madeira, Jai-
me Pacheco ou Mladenov. Por
esses tempos de glória, porém,
começavam a emergir os traços
de uma decadência duradoura.
O Vitória de Setúbal, dos finais
dos anos 90 em diante, passou a
ser o joguete de poderes diver-
sos e de gente oportunista, que
está no futebol para servir-se e
tratar da vida.
Desde o célebre negócio que
entregava o Estádio do Bon-
fim a uma das sociedades ma-
nhosas do BPN e tornava o clu-
be cliente de um campo fora da
cidade e, sabe-se hoje, em zona
de terrenos industriais conta-
minados, até à circulação de sa-
cos de dinheiro pelas instala-
ções do clube, comissões em
cascata e um carrossel de forne-
cedores que eram, essencial-
mente, empresas detidas por al-
guns dos dirigentes do clube,
tudo por ali aconteceu.
Basta ler um dos célebres Pla-
nos Especiais de Revitaliza-
ção (PER) para perceber o en-
leio a que estava preso um dos
maiores clubes da história do
futebol nacional. A face negra
da atual casta de dirigentes
que pululam por uma grande
parte dos clubes portugueses
esteve no Bonfim durante as
últimas duas ou três décadas.
Cobiçavam os terrenos do clu-
be e as rendas que os negócios
da compra e venda de jogado-
res hoje representam. Ainda
por ali ecoam muitas estórias
da célebre venda, em 2009, de
Cissokho ao FC Porto por 300
mil euros, que em menos de
seis meses o despachou por 15
milhões para o Milão.
Esta descida de secretaria até
pode ser injusta, sobretudo
para uma equipa que a evitou no
campo. Mas ela é o resultado ine-
xorável a que o Vitória de Setú-
bal estava há muito condenado.
Por uma atuação criminosa dos
dirigentes que mandaram no
clube nos últimos 20 anos.
A queda do Vitória
DESCIDA DOS SADINOS NA SECRETARIA É O RESULTADO INEXORÁVEL A QUE O
VITÓRIA DE SETÚBAL ESTAVA HÁ MUITO CONDENADO. POR UMA ATUAÇÃO
CRIMINOSA DOS DIRIGENTES QUE MANDARAM NO CLUBE NOS ÚLTIMOS VINTE ANOS
çO desporto nos EUA
constitui, sem sombra de
dúvida, um Mundo à parte.
Não só pela tremenda orga-
nização mas também pelo
espírito crítico dos profis-
sionais das principais mo-
dalidades. O boicote aos jo-
gos promovido pelos
Milwaukee Bucks na NBA,
com efeito ‘bola de neve’
nas restantes ligas, prova
isso mesmo.
Os Estados Unidos são hoje
um país altamente extre-
mado. O repugnante dis-
curso do ‘nós contra eles’
dentro da própria casa, pro-
movido por Donald Trump,
acentuou divisões internas
e o racismo latente. O facto
é este: hoje, tal como nos sé-
culos passados, mata-se
com base na cor da pele. E
os jogadores norte-ameri-
canos disseram basta.
Há quem diga que este não é
o papel dos desportistas.
Que deveriam limitar-se a
desempenhar os seus pa-
péis em campo. Mas os EUA
são, para o bem e para o mal,
uma exceção. É que muito
dificilmente veríamos um
boicote desta magnitude
noutro canto do Mundo.
Inclusivamente na Europa,
onde por vezes impera uma
certa superioridade moral
relativamente ao outro
lado do Atlântico....
Os principais craques têm
hoje um alcance e um im-
pacto inéditos. São verda-
deiros influenciadores e a
sua palavra conta. Mais do
que a de muitos que se jul-
gam donos e senhores da
razão. E esse seu estatuto
dá-lhes a possibilidade de
poderem fazer a diferença.
Todos adoramos ver a bola
a rolar mas há coisas mais
importantes. E às vezes é
preciso um abanão para
mudar.
EUA, uma
exceção em
toda a linha
BOICOTE MOSTROU
IMPORTÂNCIA QUE
OS ATLETAS PODEM
TER NA MUDANÇA
TRABALHO
DE SAPA
FUTEBOLDERUA
Eduardo Dâmaso
Diretor da revista Sábado
Quinas, a falta que nos fazes
çFoi um dos heróis de
uma infância passada a ver
todos os jogos do Belenen-
ses no Restelo, como estre-
la de uma linha média (Qui-
nito, Quaresma e Godi-
nho), entre 1972 e 1974, e um
trio de avançados (Quinito,
Luís Carlos e Gonzalez), em
1974/75. Cruzámo-nos pela
primeira vez em 1982, eu na pele
de jovem jornalista a dar os pri-
meiros passos, ele como treina-
dor de sucesso, irreverente,
bem-disposto, desassombrado,
de bem com a vida, em vésperas
da final da Taça de Portugal em
que apareceu de smoking para
abrilhantar o momento so-
lene.
Atrevo-me a dizer, sem
confirmação científica,
mas com uma convicção
inabalável, que Quinito é
referência para uma gera-
ção de jornalistas que ele
tornou melhor, mais ínte-
gra, com mais conteúdo e dese-
jo de aprender. Sinto-me privi-
legiado por termos privado mo-
mentos inesquecíveis. A chega-
da ao FC Porto, em 1988, foi um
deles. Vi-lhe nos olhos o brilho
de quem cumpria o sonho de
chegar ao topo, repartimos a
mágoa da incompreensão, do
insucesso e da saída prematu-
ra. Do rol de recriminações ab-
solveu sempre os jogadores, Ál-
varo Braga Júnior, o enorme
Luís César e o genial Jorge Nu-
no Pinto da Costa. Quinas, nem
sonhas a falta que fazes neste
mundo cinzento e sem espe-
rança do qual te afastaste!
O BAÚ DO RUI
Rui Dias
João Socorro Viegas