Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1
SETEMBRO 2020. EXAME. 23

tuários de maior risco desceu de 35% para
4%, segundo o Banco de Portugal. E 90%
da carteira de empréstimos a particulares
tinha um rácio entre o montante do em-
préstimo e o valor do imóvel dado em ga-
rantia inferior a 82 por cento. “Estes fatores
deverão traduzir-se numa maior resiliência
do sistema bancário aos potenciais efeitos
de choques negativos sobre o valor dos co-
laterais associados aos empréstimos garan-
tidos por imóveis”, indica o supervisor.
Nos últimos inquéritos feitos pelo re-
gulador, a banca até tem apontado estar a
restringir ainda mais a concessão de crédi-
to. Mas, mesmo com uma queda nos novos
empréstimos, o setor financeiro não cortou
abruptamente nessas operações. No segun-
do trimestre, marcado por menos transa-
ções, destinou 2,49 mil milhões de euros a
empréstimos à habitação, pouco menos do
que os 2,58 mil milhões registados no mes-
mo período de 2019. “Durante o período de
confinamento a banca continuou a finan-
ciar, obviamente com critérios e preocupa-
ções diferentes”, constata Ricardo Sousa.
O CEO da Century 21 Portugal argumenta
que esse foi outro dos fatores a contribuí-
rem para a estabilização do mercado nos
últimos meses.
Com a banca a continuar a apoiar as
compras durante o primeiro semestre, a
maior quebra foi na procura por estran-
geiros. “A redução do interesse de não re-
sidentes foi, talvez, a mais notória dentro
dos vários segmentos da procura”, observa
Beatriz Rubio. O apetite internacional e o
turismo foram motores importantes dos
preços do imobiliário nos últimos anos, se-
gundo o Banco de Portugal. Mas a institui-
ção refere que, agora, “a crise da pandemia
da Covid-19, em particular os seus efeitos
sobre as atividades ligadas ao turismo, po-
derá afetar negativamente a evolução dos
preços”. No entanto, apesar dessa quebra,
o mercado nacional poderá continuar no
radar. “Continuamos a registar um elevado
interesse por parte de investidores estran-
geiros, que procuram novas oportunida-
des e continuam a considerar o mercado
imobiliário português bastante atrativo”,
assegura Rui Torgal. E, principalmente no
segmento mais alto, o apetite estrangeiro
não deverá desvanecer-se. “A procura de
não residentes, no mercado considerado de
luxo ou do segmento alto, é um nicho que

Todas as informações apontam para que,
no primeiro semestre, os preços das casas
tenham ficado estáveis, apesar do choque
económico provocado pela pandemia. O
que pode explicar essa resiliência?
Os dados que vão sendo conhecidos em re-
lação à evolução dos preços das casas estão
bastante em linha com as nossas previsões
iniciais. Sempre defendemos que o setor
imobiliário deveria manter-se resiliente, ape-
sar do choque económico sem precedentes
causado pela pandemia. Em primeiro lugar,
porque a crise que vivemos hoje tem con-
tornos totalmente distintos da última grande
crise financeira. Esta é uma crise da economia
real, que todos sabíamos que iria ocorrer
quando foi decretado o estado de emergên-
cia, e que todos sabemos que deverá acabar
quando for encontrada uma vacina. Por outras
palavras, trata-se de um choque económico
abrupto, mas temporário. E este carácter
temporário é determinante para que os pre-
ços das casas se mantenham estáveis. Além
disso, importa perceber que, antes desta crise,
ainda persistia um grande desequilíbrio no
mercado imobiliário, com a procura por casas
a superar largamente a oferta existente. Esse
desfasamento terá invertido temporaria-
mente devido à contração abrupta da procura
durante os meses de confinamento, mas não
o suficiente para causar uma forte quebra nos
preços das casas.


Mas, apesar da estabilidade
nos preços, o número de no-
vas transações caiu a pique.
Isto pode indiciar que houve
um problema na procura e que
isso acabará por se refletir
nos valores observa-
dos no mercado?
A quebra no volume
de transações
durante o período de
confinamento pare-
ce-nos natural, tendo


em conta os receios de contágio e a enorme
incerteza quanto ao futuro. Não cremos,
portanto, que tal reflita uma quebra abrupta e
permanente na procura por casas. Não obs-
tante, prevemos que a retoma da atividade
no setor imobiliário venha a ser relativamente
lenta e dificilmente alcançaremos os níveis
“pré-Covid” antes do final de 2021. Por um
lado, porque parte da procura terá sido perdida
de forma permanente, devido sobretudo ao
aumento da taxa de desemprego. Por outro,
porque muitas das decisões de compra de
casa terão sido adiadas por vários meses,
até que exista uma maior visibilidade sobre a
recuperação plena da atividade económica e
uma estabilização da situação financeira das
famílias. Em concreto, nas zonas históricas
de Lisboa e Porto, é provável que a correção
dos preços venha a ser algo mais acentuada,
devido aos indícios de sobrevalorização já
existentes nalgumas freguesias em especí-
fico e ao choque da pandemia na procura por
casas para alojamento local.

Existe o risco de o malparado aumentar
após o fim do período das moratórias, le-
vando a um aumento de casas no mercado
e entregues aos bancos?
Apesar de não perspetivarmos uma queda
acentuada dos preços das casas a nível nacio-
nal, acreditamos que irão continuar pressio-
nados em baixa ao longo dos próximos 12 a
18 meses. E parte da justificação para esta
previsão prende-se exatamente com o
fim do período das moratórias, previsto
para o início de 2021, que deverá levar a
um aumento do stock de casas no mer-
cado. Isto, em conjunto com o aumento
natural da oferta de casas novas, ten-
do em conta os projetos de cons-
trução que têm sido levados a
cabo nos últimos anos, deverá
pôr fim ao gap que persistia
no mercado imobiliário nos
últimos anos entre procura
e oferta.

JOÃO PISCO / Analista financeiro do Bankinter


“DIFICILMENTE ALCANÇAREMOS


OS NÍVEIS ‘PRÉCOVID’


ANTES DO FINAL DE 2021”


Os preços no mercado imobiliário deverão ficar pressionados nos próximos
18 meses. Mas poderá ser evitado um cenário de quedas acentuadas

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