Crusoé - Edição 124 (2020-09-11)

(Antfer) #1

“o amigo do amigo de meu pai”. Era José Antonio Dias Toffoli, hoje ministro do
Supremo Tribunal Federal, que à altura da troca de mensagens ocupava o posto de
advogado-geral da União. “Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?”,
perguntou Marcelo a dois altos executivos da empreiteira. “Em curso”, respondeu
Adriano Sá de Seixas Maia, um dos chefes da área jurídica do grupo. Os investigadores
queriam saber quem era o misterioso personagem e qual era a tratativa em curso.
Além de revelar que se referia a Toffoli, Marcelo Odebrecht contou que a conversa se
referia a “tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as
hidrelétricas do rio Madeira”.


A reportagem acabou censurada por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal. Atendendo a um pedido feito por Dias Toffoli por meio de
uma mensagem de texto, ele ordenou que a matéria fosse retirada do ar. A decisão foi
expedida nos autos do rumoroso inquérito do fim do mundo, que investiga fake news,
ameaças e ofensas à corte. Em seu despacho, Moraes chegou a sustentar que se tratava
de uma notícia falsa. Era um falso argumento, obviamente. A insólita ordem de
censura expedida sob o timbre de um tribunal cuja missão principal é zelar pelo bom
cumprimento da Constituição, que protege a liberdade de imprensa e a liberdade de
expressão, ganhou contornos de escândalo. Dias depois, ao se dar conta de que, sim, o
documento publicado por Crusoé existia, e de que não havia qualquer excesso na
reportagem, Moraes revogou a decisão.


Aquele e-mail, porém, era apenas um de um acervo monumental com o qual delegados
e procuradores da Lava Jato ainda deparariam. Uma parte o próprio Marcelo
Odebrecht entregou espontaneamente como parte de seu acordo. Outra, mais extensa,
foi encontrada quando os investigadores finalmente conseguiram, depois de muitas
tentativas, quebrar as várias camadas de criptografia do notebook do empreiteiro,
apreendido ainda na 14ª fase da Lava Jato, em junho de 2015. Como continha menção
a autoridades com foro privilegiado, o material reunido pela força-tarefa da operação
em Curitiba foi transferido para um HD de 1 terabite e enviado para o relator da
operação no Supremo Tribunal Federal, o ministro Edson Fachin. A quantidade de
informações era oceânica: 1.888.621 arquivos, entre eles mais de 700 mil e-mails,
muitas planilhas e textos diversos.

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