Clipping Banco Central (2020-09-15)

(Antfer) #1

LEO AVERSA - Vax in Rio


Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Segundo Caderno
terça-feira, 15 de setembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: LEO AVERSA


Após traçar uma coxinha do fundo da geladeira,
temperada com uma mostarda um tanto quanto vencida,
tive um sonho estranho que, percebi depois, foi uma
premonição. Sim, vi o futuro. Sim, Mãe Dináh, você já
tem um sucessor: o pai Dináh tá on.


O primeiro carregamento chegou ao Rio em janeiro de



  1. Devia aparecer no dia 20, dia do padroeiro da
    cidade, mas o caminhão foi sequestrado na Avenida
    Brasil e desviado para a comunidade do Rato Molhado,
    onde as caixas com vacinas foram recebidas com tiros
    para o alto, ao menos dessa vez. O evento,
    acompanhado pelo Globocop, foi transmitido ao vivo
    para o mundo todo, algo que encheu a cidade de
    orgulho. Metade das vacinas foi oferecida como brinde
    aos assinantes da gato-net local, a outra distribuída
    —democraticamente — entre as diversas facções
    cariocas. Mais orgulho.


O novo prefeito, Barbosinha da Portaria — o vencedor
da eleição de 2020 foi preso e o cargo acabou entregue
ao único ficha limpa na linha sucessória, o porteiro do


Palácio da Cidade —recebeu o segundo caminhão no
dia 22 e, já dando sua primeira carteirada, exigiu a dose
inaugural para si mesmo. Na verdade, as vacinas já
haviam chegado em dezembro a uma clínica particular
da Barra, onde o valor de dez mil reais por dose incluía
open bar na entrada, um quarteto de cordas tocando
música sertaneja no VaccinationLounge e um
cercadinho VIP na saída, com aglomeração liberada.
Houve também uma vacinação —pirata —em
novembro, em Rio das Pedras, com o produto secreto
de um sigiloso laboratório de Ciudad dei Este, as
vacinas Xputinik 4 e 1/2. A milícia local, sempre sensata
e justa, cobrou cem reais de cada morador pela
Xputinik. Quem não quis tomar teve que pagar
duzentos.Infelizmente o medicamento apresentou
alguns efeitos colaterais inconvenientes,como óbito
súbito e coma irreversível,detalhes irrelevantes que não
alteraram o sucesso da empreitada: os dez moradores
que tomaram e sobreviveram não contraíram mais a
Covid-19.

Já as vacinas oficiais contra a Covid-19 foram
distribuídas nos Centros Transitórios do Barbosinha, os
CTBs, que eram os antigos hospitais de campanha,
reciclados com novas propinas. Por dentro os CTBs
lembravam muito o antigo Detran da Francisco Bicalho:
quem chegava, precisava entrar em várias filas até tirar
uma guia, que devia ser paga — a vacina era grátis,
mas a seringa não — no Itaú, mas na agência de
Paquetá. Depois da guia paga, bastava entrar em outras
filas para —finalmente —ser imunizado. Quem não
tivesse uma semana livre para passar no CTB, podia
desenrolar com um dos despachantes oficiais, os
Guardiões do Barbosinha, que ofereciam maneiras
disruptivas de obter a vacina, mediante o pagamento de
uma taxa simbólica de mil reais. A Prefeitura até lançou
um app para facilitar o atendimento, mas —
misteriosamente — ele só funcionava em Blackberrys e
Nokias.

A vacinação terminou no meio de fevereiro, a tempo de
liberar o carnaval. A grande novidade foi a Covid-20.
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