I
I.
sar-se em outro. De maneira geral, e para todos os atos da vida social
regulados pela organização dualista, descobr&se de repente um parceiro.
Dai o embaraço de Lowie, que tenta tratar as metades como espécies
de clãs: "A questão de saber ao que está ligada esta reciprocidade é
muito embaraçosa"', e o fato de abandonar mais tarde esta posição."
Mas na verdade as metades não dependem da série "clã", e sim da
série "classe". E não basta que o número dos clãs - como conseqüên-
cia da extinção demográfica ou por qualquer outra razão - seja re-
duzido a dois, para que surja uma organização dualista. Lowie cita jus-
tamente o caso dos Crow, que hoje só têm duas sociedades militares,
as "raposas" e as "madeiras entumecidas". Na época em que Maximilien
os visitou havia sete." O pseudodualismo verificado nesta ocasião não
tem por conseguinte significação do ponto de vista da organização dua-
lista. Seria igualmente um falso dualismo se dois clãs, sobreviventes de
uma organização mais complexa, procurassem, lado a lado, a aliança com
outras aldeias ou outras tribos, conforme exemplos conhecidos na Améri-
ca do Sul. O prOblema tão discutido de saber se a organização clãnlca
resulta da subdivisão das metades ou se, ao contrário, as metades for-
maram-se por aglomeração de clãs, é portanto desprovido de significa-
ção. Os dois métodos são posslveis, encontrando-se exemplos mais adi-
ante. Não são esses aliás os únicos métodos possíveis, pOis a organização
dualista pOde resultar do estabelecimento de laços orgânicos entre duas
aldeias e mesmo entre duas tribos. Vimos esta última operação realizar-
se diante de nossos olhos, entre duas tribos que não falavam a mesma
língua, e desenvolver-se a tal ponto que só faltavam os nomes das me-
tades para que nos encontrássemos em presença de uma organização
dualista caracterizada e definitiva."
Estas considerações fornecem talvez uma resposta à recente pOlêmica
sobre a origem, única ou múltipla, das organizações dualistas. Contra
Olson, que sustentava a primeira interpretação", Lowie demonstrou que
se confunde, sob o nome de organização dualista, instituições aparente-
mente heterogêneas." Limitando-nos à América do Norte podemos dizer
que os Iroquês têm metades exógamas compostas de vários clãs, os
Hidatsa metades não-exógamas mas também compostas de vários clãs,
os Fox e os Yuchi metades não-exógamas e organizadas sem relação
com os clãs, os Crow e os Kansa fratrias de caráter indeterminado, os
Creek metades cerimoniais e não-exogâmicas, os Kere e os Tewa meta-
des cerimoniais de tendência endógama com passagem da mulher à me-
tade do marido, quando primitivamente não pertencia a essa metade, etc.
Em suma, o único caráter comum das metades seria apresentarem-se
como duas. E esta dualidade é destinada a desempenhar papéis muito
diferentes conforme os casos. As vezes regula os casamentos, as trocas
- R. H. Lowie, Traité de sociologie primitive, p. 140.
10. R. H. Lowie, Some Moot Problems in Social Organization. American Anthropo-
logist, voI. 36, 1934, p. 325. - R. H. Lowie, Resumo crítico de W. J. Perry, The Children of the Sun. American
Anthropologist, vaI. 26, 1924, p. 87. - C. Lévi-Strauss, The Social Use of Kinship Terms among Brazilian Indians.
- Conforme vimos, a lenda atribui a mesma origem aos clãs mundurucus (cf.
nota 152).
- R. L. Olson, Clan and Moiety in Native Amerlca. University 01 Caltlornm Pu·
blications in American Archaeology and Ethnology, voI. 33, n. 4, 1933. - R. H. Lowie, op. cit.
L
113