Longe do pensamento lógico da criança ser irredutível ao do adulto,
S. Isaacs verifica que "as aptidões cognoscitivas das crianças pequenas,
mesmo em idade pouco avançada, são afinal de contas muito próximas
das nossas ... ". A noção de maturação, para a qual Piaget constantemente
apela, "é estritamente confinada a estes aspectos particulares do desen·
vOlvimento, a respeito dos quais não se pode provar que sejam função
da experiência". 3. Encontramos a mesma conclusão em Basov: fiAs es-
truturas mais baixas servem sem dúvida para formar as mais altas. Mas
isto não exclui de modo algum que estas estruturas baixas formem·se
como tais e permaneçam nesse estado sem ulterior modificação. Se o
meio não coloca a criança em condições que exigem a formação de
estruturas mais elaboradas, poderia acontecer que as mais baixas con-
tinuem sendo as únicas que a criança seja capaz de produzir"." É in-
teressante ver os psicólogos criticarem independentemente, mas da mes-
ma maneira, a tese da "mentalidade primitiva", da qual Piaget no fundo
apenas formulou um equivalente formal. Entre pensamento primitivo e
pensamento civilizado há sem dúvida diferenças, mas estas devem-se uni-
camente ao fato do pensamento ser sempre "situacional". As diferenças
desaparecem desde que os estímulos (sociais, econômicos, técnicos, ideoló-
gicos, etc.> se modifiquem. 33
S. Isaacs censura Piaget por ter utilizado - com o nome de "estru-
tura" irredutível do pensamento infantil - a noção de maturação sem
suficientes precauções, tendo chegado assim "a explicar pela maturação
certos fenõmenos que se pOdem mostrar serem na verdade função da
experiência". H Em condições convenientes, crianças muito pequenas po~
dem manifestar os sintomas de fases de desenvolvimento associadas por
Piaget a uma idade mais avançada. Mas, sobretudo, Piaget deixa sem
resposta a questão, essencial para o sociólogo, da origem do desenvol-
vimento social. Sabemos que distingue, grosso modo, quatro fases de de-
senvolvimento da criança: primeiramente, o período do autismo, depois
o do egocentrismo, em terceiro lugar a vida social propriamente dita,
que começa aproximadamente aos sete anos, durante a qual a criança
aprende a adaptação ao outro e adquire o conhecimento de seus pró-
prios processos mentais. A chave desse desenvolvimento seria o apare-
cimento, cerca do sétimo ou do oitavo ano, dos "instintos sociais", Mas,
conforme observa S. Isaacs, este aparecimento constitui um verdadeiro
mistério, e Piaget não dá nenhuma interpretação psicológica da gênese
deles. Freud mostrou-se mais clarividente a este respeito, porque não se
pode duvidar que os "instintos sociais" tenham uma história individual
e uma origem psiCOlógica, cujas raízes mergulham não somente na ex-
periência do mundo social, mas também na pressão exercida pelo mundo
físico e que suscita uma curiosidade apaixonada - e muito positiva
- por parte das crianças de menos de cinco anos. 13
Se o espírito da criança é egocêntrico e pré-causal é poiS mais em
razão de sua ignorância e da insuficiência de suas experiências organi-
- S. Isaacs, Intellectual Growth in Young Ch~ldren, Londres 1930, p. 57.
- M. Basov, Structural Analysis in Psychology from the Standpoint of Behavior~
Journal of Genetic Psychology, vol. 36, p. 288.
33. A. R. Luria, The Seeond Psyehologieal Expedition to Central Asis. Journal 01
Genetic Psychology, vol. 44, 1934. - S. Isaaes, op. cit., p. 58.
- Ibid., p. 79-80.
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