tanto um número muito pequeno entre todos os sons possíveis. Ora,
durante o período do balbucio, anterior ao início da linguagem articulada,
a criança produz a totalidade dos sons realizáveis na linguagem humana,
dos quais sua própria lingua só conservará alguns. Assim é que toda
criança soube, desde os primeiros meses de vida, emitir sons, alguns dos
quais lhe aparecerão mais tarde extremamente difíceis de reproduzir, ma-
logrando em imitá-los de maneira satisfatória quandO aprender linguas
muito afastadas da sua própria." Cada lingua opera pOis uma seleção,
e de certo ponto de vista essa seleção é regressiva. Desde o momento
em que se instaura, as Ilimitadas possibilidades que estavam abertas no
plano fonético ficam irremediavelmente perdidas. Por outro lado, o bal-
bucio não tem sentido, ao passo que a linguagem permite aos indivíduos
comunicarem-se entre si, de tal modo que a expressão está na razão in-
versa da significação.
Assim também a multiplicidade de estruturas, cujo esboço no do-
mínio das relações Interindividuais nos é oferecido pelo pensamento e
atitudes da criança, não tem ainda valor social, porque essas estruturas
constituem materiais brutos, aptos para a construção de sistemas hete-
rogêneos, nenhum dos quais pode conservar senão um pequeno número,
para atingir um valor funcional. É pela Incorporação da criança à sua
cultura particular que se produz esta seleção.
Se tal Interpretação é exata, deve-se admitir que o pensamento infan-
til representa uma espécie de denominador comum de todos os pensa-
mentos e de todas as culturas. É o que Piaget freqüentemente expressou
ao falar do "sincretismo" do pensamento da criança, mas a expressão
parece-nos perigosa, porque admite duas Interpretações diferentes. Se en-
tendermos por sincretismo um estado de confusão e de Indiferenciação,
no qual a criança tem dificuldade em distinguir entre ela própria e
outrem, entre as pessoas e os objetos e entre os próprios objetos ar-
riscamo-nos a permanecer numa apreensão muito superficial das coisas,
deixando escapar o essencial. Porque esta "indiferenciação primitiva" apa-
rente é menos uma ausência de diferenciação do que um sistema de di-
ferenciação diferente do nosso e mais ainda o resultado da coexistência
de vários sistemas e da continua pasagem de uns a outros. Mas os sis-
temas existem. Quanto mais penetramos nos níveis profundOS da vida
mental, mais esta nos apresenta estruturas, cujo número diminui ao mes-
mo tempo que cresce o rigor e a simplicidade delas. Por essa razão,
prefeririamos falar do "polimorfismo" do pensamento Infantil, dando a
este termo um sentido vizinho daquele em que a psicanálise o emprega
quando descreve a criança como um "perverso polimorfo". Que se en-
tende por isso, com efeito? QUe a criança apresenta, em forma rudimentar
e de maneira coexistente, todos os tipos de erotismo entre os quais o
adulto procurará SUa especialização no plano normal ou patológico. Con-
siderando a relação entre as atitudes sociais da criança e os diferentes
tipos de organização realizados pelas sociedades humanas, preferiríamos
dizer, da mesma maneira, que a criança é para o etnólogo um "social
polimorfo".
Quando comparamos o pensamento primitivo com o pensamento in·
fantil e vemos aparecerem tantas semelhanças entre ambos, somos por·
- R. Jakobson, Kindersprache, Aphasie und allgemeine Lautgesetze. Upsala 1941.
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