tituições na aparência singular, mas na realidade muito simples e uni-
versais, ao menos quanto ao princípio, é coisa que podemos provar pela
notável observação comunicada, no final de um de nossos cursos, por uma
aluna que pela primeira vez ouvia falar de organização dualista:
Johnny A., de quatro anos de idade, de Alexandria (Egito), vive em
dois países imaginários, Tana-Gaz e Tana-Pé, onde tudo é magnifico. Tana-
Gaz está acima de Tana-Pé, sendo melhor que este último. A mãe de
Johnny mora em Tana-Gaz e o pai em Tana-Pé. Quando o mar está calmo
e Johnny pode tomar banho, o mar está em Tana-Gaz, mas quando está
mau e o banho é proibido o mar está em Tana-Pé. As pessoas também
deslocam-se de um pais para o outro. No começo, os dois paises eram
bons, mas depois Tana-Gaz continuou bem enquanto Tana-Pé ficou ora
inferior a Tana-Gaz, ora indiferente, ora francamente mau.
Quando Johnny chegou aos sete anos perguntou-se a ele se ainda se
lembrava de Tana-Gaz e de Tana-Pé. Tomou então uma atitude constran-
gedora e disse que tinha esquecido.
o interesse desta observação não reside somente na reconstituição
de um sistema dualista por uma criança de quatro anos, com a bipar-
tição das coisas e dos seres em duas categorias, a desigualdade das
metades, a criação estilística das denominações, tão evocadora da onO-
mástica melanésia, e mesmo a curiosa sugestão da exogamia. Se Johnny
tivesse sido um pequeno australiano teria podido elaborar a mesma fan-
tasia, mas não teria vergonha mais tarde_ A fantasia teria se fundido
progressivamente no dualismo oficial de seu grupo. As exigências lógicas
e as atitudes sociais, a que a organização dualista fornece a expressão,
teriam sido normalmente satisfeitas em uma atividade institucional apro-
ximadamente semelhante ao modelo infantil. Mas Johnny cresceu num
grupo que não utiliza estruturas bipolares para traduzir fenômenos de
antagonismos e de reciprocidade, ou só as emprega superficial e transi-
toriamente. O modelo proposto pela fabulação infantil não pode adquirir
aí valor instrumental, e ainda mais, por muitos aspectos acha-se em
contradição com o modelo selecionado, e por essa razão deve ser aban-
donado e recalcado.
Nessas condições, é fácil compreender por que etnólogos, psicólogos
e psiquiatras foram tentados, cada qual partindo de seu ponto de vista
particular, a estabelecer paralelos entre o pensamento primitivo, o pen-
samento infantil e o pensamento patológico. Na medida em que a psico-
neurose pOde definir-se como a forma mais alta de sintese mental dada
no plano de uma consciência puramente individual", o pensamento do
doente assemelha-se ao pensamento da criança. Estas formas de pensa-
mento já não se conformam mais, ou ainda não se conformam, com a
estrutura seletiva do grupo particular de que dependem. Uma e outra
dispõem então de relativa liberdade para elaborar sua própria síntese.
Esta sintese está condenada sem dúvida a permanecer instável e sempre
precária, porque se realiza num plano individual e não nos quadros do
meio social. Mas é em todo caso uma síntese, ou, se preferirmos, um
- Jean Delay, Les Dissolutions de la mémoire. Paris 1942, p. 123. A ressalva for-
mulada _abaixo quanto à hebefrenia perde muito do valor que continha depOis da
publicaçao do trabalho da sra. Sécheraye (La Réalisation symbolique. Berna 1947).
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