tempo em que dá ocaslao para elas. Estas prestações de serviço totais,
conforme vimos, referem-se a bens materiais, a valores sociais assim co-
mo a privilégios, direitos e obrigações e às mulheres. A relação global
de troca que constitui o casamento não se estabelece entre um homem
e uma mulher como se cada um devesse e cada um recebesse alguma.
coisa. Estabelece·se entre dois grupos de homens, e a mulher ai figura
como um dos objetos da troca, e não como um dos membros do grupo
entre os quais a troca se realiza. Isto é verdade, mesmo quando são
levados em consideração os sentimentos da moça, como aliás habitual·
mente acontece. Aquiescendo à união proposta, a moça precipita ou per·
mite a operação de troca, mas não pode modificar a natureza desta.
Este ponto de vista deve ser mantido com todo rigor. mesmo no que se
refere à nossa sociedade, onde o casamento toma a aparênCia de um
contrato entre duas pessoas. Porque o ciclo de reciprocidade que oca·
sarnento abre entre um homem e uma mulher, do qual a função do
casamento descreve os aspectos, é apenas um modo secundário de um
ciclo de reciprocidade mais vasto, que afiança a união de um homem e
uma mulher, filha ou irmã de alguém, mediante a união da filha ou
da irmã deste homem, ou de um outro homem, com este mesmo alguém.
Se tivermos esta verdade presente no espírito, a aparente anomalia as-
sinalada por Malinowski explica·se muito simplesmente. No conjunto das
obrigações recíprocas de que uma mulher faz parte há uma categoria
cuja execução depende em grau máximo da sua boa vontade. São os
serviços pessoais, quer sejam de ordem sexual quer doméstica. A falta
de reciprocidade que parece caracterizá·los nas ilhas Trobriand, como na
maioria das sociedades humanas, é apenas a compensação de um fato
universal: o laço de reciprocidade, que funda o casamento, não é esta·
belecido entre homens e mulheres, mas entre homens por meio de mu·
lheres, que são somente a ocasião principal.
A primeira conseqüência desta interPretação deve ser evitar um erro
que poderia ser cometido se estabelecêssemos um paralelismo demasiado
rigoroso entre os regimes de direito materno e os de direito paterno.
A primeira vista, o "complexo matrilinear", como foi chamado por Lowie,
cria uma situação inédita. Existem sem dúvida regimes de filiação ma·
trilinear e de residência matrilocal permanente e definitiva, como o dos
menangkabau de Sumatra, onde os maridos recebem o nome de orang
samando, "homem emprestado". ia Mas, além de nesses regimes - quase
não há necessidade de lembrar este fato - ser o irmão ou o filho mais
velho da mãe de família que possui e exerce a autoridade, os exemplos
são extremamente raros. Assim, Lowie só menciona dois (Pueblo e KhasD,
fazendo mesmo uma ressalva a respeito do segundo." Em todos os ou-
tros casos a filiação matrilinear acompanha a residência patrilocal em
prazo mais ou menos curto. O marido é um estranho, "um homem de
fora", às vezes um inimigo. e contudo a' mulllet vai viver com ele, em
sua aldeia, para procriar filhos que nunca serão seus. A familia con·
- Fay Cooper Coole, Family. Clan and Phratry in Central Sumatra, em Essays
presented to A. L. Kroeber, Berkeley 1936, p. eo. _ - R. Lowie, The Matrilineal Complexo Untversity 01 Calí/ornia Publications in Amen-
can Archaeology and Ethnology, voI. 16, n. 2, 1919, p. 35.
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