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de dar, porque os graus de parentesco proibidos correspondem, em con·
junto, a uma maior proximidade biológica que os graus permitidos. Sub-
siste portanto sempre uma dúvida quanto à questão de saber que coisa
do grau biológico ou do grau social funda a instituição. Esta dificuldade
não é completamente afastada senão no caso do casamento entre primos
cruzados, porque se chegarmos a compreender a razão pela qual graus
de parentesco equivalentes do ponto de vista biOlógico são contudo con·
siderados totalmente desiguais do ponto de vista social, poderemos pre-
tender ter descoberto o princípio não somente do casamento entre pri·
mos cruzados mas da própria proibição do incesto.
Este método parece·nos impor·se de modo tão evidente que é pOSo
sível perguntar por que não foi imediatamente utilizado, e por que o
casamento entre primos cruzados foi considerado como um sistema ma·
trimonial 'que devia ser colocado no mesmo plano dos demais, em vez
de reconhecer nele, como propusemos fazer, um fenômeno de ordem
completamente diferente. A resposta é simples. Os sociólogos caíram na
armadilha de sua própria argumentação. Pelo fato do casamento entre
primos cruzados constituir uma regulamentação arbitrária do ponto de
vista biOlógico, passaram à afirmação de que era arbitrário de maneira
absoluta, e de qualquer ponto de vista em que nos coloquemos. Ou en·
tão, o que dá no mesmo, quiseram reduzi·lo ao papel de conseqüência
secundária de instituições heterogêneas, assim como certos autores ex·
plicam a proibição de comer carne de porco entre os judeus e os mu·
çulmanos pelo perigo de deterioração dessa carne nas velhas civilizações
sem higiene. Não se admite que a instituição possa encontrar nela mesmo
sua razão de ser. e procura-se reduzi-la a uma série de conexões con·
tingentes, na maioria das vezes derivadas da organização dualista e da
prática da exogamia.
Esta posição intelectual é espeCialmente visível em um dos últimos
autores que, com espírito tendencioso muito acentuado, é verdade, con·
sagrou uma análise atenta ao casamento dos primos cruzados. W. J. Perry
declara com efeito: "A primeira forma de exogamia, isto é, a organiza·
ção dualista, tem todos os sinais possíveis do artifício. Alguns grupos
de parentes são entre si cônjuges possíveis, enquanto outros são ex·
cluídos. Os filhos respectivamente nascidos de um irmão e de uma irmã,
isto é, os primos cruzados, podem casar-se entre si, ao passo que os
descendentes de dois irmãos ou de duas irmãs não podem. Uma regra
desta natureza não pode fundar·se em nenhuma forma de proibição do
incesto. Constitui, evidentemente, uma derivação secundária de uma outra
regra, esta mesma concebida com outra intenção". I Compreendemos bem
que, com esta afirmação, perry procura somente fundar um sistema pre·
concebido, e que este é impregnado de historicismo, mais ainda que os
de seus antecessores. Mas não há mal em tomar uma citação de um
autor o qual geralmente se concorda em admitir que pratica um abuso
extravagante do método histórico. Porque, do ponto de vista que nos in·
teressa, precursores ilustres, como Tylor e Morgan, não são culpados de
um menor erro de método, porque este os conduziu a uma conclusão
análoga. perry identifica o casamento entre primos cruzados e a orga·
nização dualista, e pretende explicar ambos pela história. Mas Morgan e
- W. J. Perry, The Children of the Sun, op. cit., p. 381.
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