Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1
que a passagem da concepção restrita da troca à concepção generalizada
elimina esta aparente contradição, e que a análise lógica e a análise
histórica tornam-se igualmente possíveis a partir do grupo local, consi-
derado comO o elemento fundamental dos sistemas australianos.
É preciso tratar segundo o mesmo método a outra questão indi·
cada no começo deste capítulo, a saber, as organizações sem classe são
mais ou são menos primitivas que as organizações com classes? O estudo
da distribuição geográfica sugeriria facilmente a primeira possibilidade.
As tribos sem metade nem secção ocupam seis áreas costeiras, isto é,
periféricas, ao norte, a oeste e ao sul do continente australiano. Seria
fácil concluir dai que os sistemas sem classe representam a forma mais
arcaica. 11 Entretanto, as áreas sem classe matrimonial não são homo-
gêneas e as regras do matrimônio nelas praticadas freqüentemente são
as mesmas que as resultantes da existência de classes ou de secções.
Radcliffe·Brown considera·as pOis como tardias, formas modificadas de
um sistema de base Kariera. IH Howitt também acreditou nisso, mas por
uma razão menos legítima. Para ele a ausência de classe implicava o
matrimônio individual, que pensava ser derivado do casamento de grupo. "
Retomaremos a fundo este problema a propósito do sistema Mara."
De momento limitamo·nos a uma observação geral, isto é, uma resposta
demasiado dogmática ao problema desprezaria alguns notórios caracte-
res do desenvolvimento dos sistemas australianos. Nada prova que este
desenvolvimento tenha sido estendido durante séculos ou milênios, nem
que se deva atribuir aos sistemas sem classes aos sistemas com classes
uma posição absoluta no tempo. Conduzem ao mesmo resultado, mas
com métodos diferentes, ora fundados na noção de classe ora apoiados
no conceito de relação. Mas é perfeitamente concebível que um mesmo
grupo, embora conservando um sistema de reciprocidade fundamental·
mente estável, tenha oscilado um número considerável de vezes no curso
dos tempos entre um e outro método. A ausência de classe não é um
caráter negativo, mas o resultado da preferência por um outro proce-
dimento, cujo valor funcional é o mesmo. Trata-se aí de caracteres su-
perficiaiS, ou, no sentido de Kroeber, secundários. Estas concepções não
são puramente teóricas. Conhecem·se casos em que tribos de oito classes
retomam a um sistema de quatro classes, tribos de quatro classes que
passam a duas, e tribos de duas classes que adotam uma nova regu·
lamentação do casamento entre clãs da mesma metade." E sobretudo
algumas observações recentes colocam·nos em presença da difusão rá·
pida de sistemas matrimoniais de um grupo para outro, e dos esforços
de adaptação - que supõem boa parte de invenção original - entre
sistemas diferentes.

o caso dos Murimbata da costa norte oferece, a este respeito, um
sugestivo exemplo da maneira pela qual devem ter nascido e se espa·

.17. D. S. Davidson, The Basis of Social Organization in Australia, American Anthropo-
logzst, voI. 28, 1926; The Chronological Aspects 01 Certain Australian Soci4l Institutions
as Inlerred Irom Geographical Distribution, 1928. W. E. Lawrence, op. cit., p. 345-346.



  1. A. R. Radcliffe Brown, op. cit., p. 368.

  2. A. W. Howitt, Australian Group Relationship. Journal 01 the Royal Anthropo-
    logical Institure, vol. 37, p. 284.

  3. Cf. Capo XIII. 21. W. E. Lawrence, op. cit., p. 346.


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