Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

casamento com certos tipos de parentas." Para interpretar este texto
ambíguo é preciso retornar a Grigson. o qual indica que, mesmo no clã
akomama, um homem não pOde casar-se nem com a irmã mais velha
de sua mulher nem com a mãe de sua mulher, nem com uma mulher
que esteja, relativamente à sua esposa, na relação de irmã, de tia ou de
sobrinha. Como o clã akomama é o da mãe," isto equivale a dizer que
está inteiramente proibido, excetuando-se a prima cruzada matrilateral que
faz parte contudo do clã, ou seja, exatamente a situação relatada por
Russell para os Bhil, Maratha e Kunbi.
Certamente não é necessário, colocando-se no plano geral, recorrer a
um sistema complexo de classes matrimoniais para justificar a proibição
do casamento com este ou aquele parente, e - em um sistema de troca
generalizada - a restrição da união preferencial a um, dois ou vários
membros da linhagem dos "doadores de esposas". Já estudamos este
ponto no capítulo anterior." No que diz respeito particularmente aos
Gonde, seria inteiramente inconcebível que esse sistema, se tivesse exis-
tido, houvesse escapado a um observador da qualidade de Grigson. Os
sistemas com classes matrimoniais não estão envolvidos em nenhum inis-
tério. Os indígenas que os possuem consideram-nos matéria profana, a
respeito da qual exprimem-se de bom grado e livremente. Freqüente-
mente são capazes de chegar a fazer uma concepção teórica a respeito
deles. ~l Quando existe um sistema de classes, deve ser percebido. Se
vários obser.vadores deixam de mencioná-lo, a única conclusão razoável é
que o grupó considerado não o possui.
Held ~ão afirma, na verdade, a existência atual de um sistema com
oito classes: mas, partindo das regras do casamento assinaladas por Rus-
seU, conclui pela existência antiga de tal sistema. Aqui, porém, levanta-se
uma questão metodológica, a saber, é legítimo formular a hipótese de um
antigo sistema de classe quando encontramos, no domínio da nomencla-
tura do parentesco ou em outros domínios (ritual, luto, etc,), fatos que
a situação atual não permite explicar sem referi-los a um contexto desa-
parecido, do qual constituiriam os vestígios? Mas, no caso de que nos
ocupamos, o contexto invocado por Held (sistema de oito classes) nada
acrescenta à situação, tal como é dada ao observador: contemporâneo.
Trata-se de explicar um fato preciso e vivo, a união preferencial com a
filha do irmão da mãe, excluídos os outros membros do clã materno.
Esta dupla regra, positiva e negativa, poderia ser expressão de um siste-
ma de oito classes. A única conclusão que se pode tirar dessa relação é
ou qUfl os grupos considerados possuem um sistema de oito classes, e
o possuem atualmente, ou então - se a observação não revela a presença



r~ desse sistema - que essa regra pode funcionar sem um sistema de
classes correspondente_
Insistimos, constantemente, neste trabalho sobre a idéia de que as
classes matrimoniais constituem apenas um dos métodos possíveis para
fundar um sistema de reciprocidade, e que este método consiste em tra-
duzir a reciprocidade justamente em termos de "classes", quando é sem-




  1. R. V. Russell, e R. B. Hiralal, Tribes and Castes of the Central Provinces
    of India, op. cit., p. 72.

  2. Cf. capo XXIV.

  3. Cf. capo XXII.

  4. Cf. capo IX.


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