Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

I


sacrificial. Finalmente, entre os grupos que participam do casamento. Em
obediência à proibição do incesto, a mulher não pode parir em seu pró-
prio grupo. É preciso, portanto, ou que seja transferida para um grupo
vizinho ou que um homem de outro grupo venha a ela. Quer a filiação
seja matrilinear quer seja patrilinear (e as duas possibilidades existem
entre os Banto). os dois grupos nem por isso deixam de estar colocados,
por força da proibição do incesto, em um estado de interdependência
recíproca. A transferência do lobola não representa uma compra unila-
teral, mas, como contrapartida da filha, afirma a bilateralidade do vínculo.
Ao mesmo tempo, é ainda alguma coisa mais. O cumprimento dos
ritos matrimoniais não determina o fim das obrigações recíprocas entre
os grupos. A realidade da aliança é comprovada, durante toda a duração
do casamento, por uma série de serviços oferecidos e de serviços retri-
buídos, de presentes reclamados e de presentes recebídos. Mas o lobola,
ao ser recebido, faz começar imediatamente um novo circuito. A razão
essencial pela qual não se pode ver nele um pagamento é que não será
nunca consumido, exceto ocasional e parcialmente, para fins sacrificiais.
Logo depois de recebido será objeto de reinvestimento, em forma de
esposa, para o irmão ou o primo da jovem casada. Como o fio que corre
através do tecido, o lobola estabelece portanto uma série indefinida de
conexões entre membros do mesmo grupo e entre grupos diferentes.
Seligman descreveu este caráter de prestação total do preço da noiva em
uma outra região da Africa. "Um rapaz que não possui irmã seria po-
bre". E aindá: "todo jovem Shilluk está interessado no casamento de
sua irmã e aa filha da irmã de seu pai, porque recebe gado proveniente
do preço da p.oiva, e sem gado ele próprio não poderia casar-se... Um
homem tem cem razões para desejar que sua irmã se case e para que
este casamento seja estável". Mas a multiplicação dos laços entre os
grupos tem como contrapartida a consolidação dos laços no interior do
grupo. Entre os Azande, "quando os rapazes desejam casar-se devem ser
obedientes e trabalhar para os pais que lhes darão as lanças pagas para
suas irmãs". U O vínculo entre os pais e os filhos prende-se, portanto, ao
que se estabelece entre as familias aliadas. O noivo trabalha para os
sogros, e na forma múltipla da cozinha e da jardinagem, da procriação
dos filhos e das satisfações sexuais, recebe de sua mulher a contrapresta-
ção de seus donativos. Os serviços são trocados nos dois sentidos e
segundo o ritmo alternado. A dupla circulação das mulheres e do gado
assegura, através das idades, a união dos grupos e das gerações.
Um fato lança uma luz particularmente significativa sobre a verda-
deira natureza do laço matrimonial nesses sistemas africanos. É a relação
.~: de especial respeito que, em numerosos grupos, existe entre o marido e
a mulher do irmão da mulher, aquela que os Thonga chamam pelo nome
solene de "grande mukonwana". '" Entre os Shiluk esta cunhada está
compreendida na categoria dos ora (parentes por aliança, que devem res-
peito uns aos outros) e, diz Seligman, j'parece que ela é considerada como
estando em pé de igualdade com a sogra... Mas, acrescenta o autor, não
pudemos descobrir nenhuma razão para este tratamento"." Sabe-se, com


  1. C. G. Seligman e B. Z. Seligman, pagan Tribes Df the Nilotic Sudan, Lon-
    dres 1932, p. 62, 72, 514.

  2. Junod, op. cit., p. 228-229.

  3. C. G. Seligman e B. Z. Seligman, op. cit., p. 60.


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