Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

).


branca", que designa o quinto filho, herdeiro privilegiado - do mesmo
modo que entre os Katchin - da propriedade da familia," deveremos
reconhecer a existência, desde o eixo sibério·birmanês até a Europa oci·
dental, de um conjunto notavelmente homogêneo, cujo sentido só é poso
sivel penetrar mediante a noção de troca generalizada.
Há mais, porém. A relação excepcionalmente estreita entre O tio ma·
terno e o filho de sua irmã, já descrita por Tácito entre os germanos,
e que encontra, dez séculos mais tarde, na Canção de gesta, notável vita·
lidade, propõe o mesmo problema da presença de um traço pseudomatri·
linear no regime de direito paterno. Fomos levados progressivamente à
solução desse problema pelo estudo das sociedades birmanesa, siberiana
e indiana." Os grandes caracteres estruturais, dos quais a distinção entre
"osso" e "carne", "espada" e "roca" são o sintoma tópico. excluem com·
pletamente a hipótese, que legitimamente seduziu Hocart e Dumézil, dê
uma antiga organização dualista. Trata·se sempre da relação ambivalente
que une entre si os maternos, que são apenas maternos, e os paternos
que recebem esposas sem fornecê·las, pelo menos aos mesmos parceiros.
Desde nosso estudo do sistema Katchin, vimos surgir como corolário da
troca generalizada a afirmação dos direitos femininos, tão tipica também
das instituições germãnicas e celtas. Finalmente, até os sumri Katch;n
e os ~agund Gilyak, "bens preciosos" de uns, e "nervos vitais" de outros,
em ambos os casos protetores do lar, recebidos, pelo marido, e dados
pela famllia da mulher, encontram seu eqUivalente na Europa antiga.
Entre os germanos, como retribuição pelo preço da noiva que compreende
um boi, um' éavalo selado, um escudo, uma espada e uma lança, a noiva
traz certos Pens para seu marido. Tácito indica que estes bens sãn con·
siderados coroo algo que estabelece o vinculo mais solene e possuem um
valor sagrado, que faz deles verdadeiramente "os deuses tio casamento". U
Mas para reduzir as regras européias do casamento a uma estrutura
de troca generalizada não basta constatar as semelhanças com formas
simples. É preciso explicar também as diferenças, isto é, a evolução que
conduziu progressivamente os sistemas europeus de uma provável etapa
arcaica, na qual as alianças se estabeleciam em função de ciclos orien·
tados com 2 + n parceiros (fórmula simples de troca generalizada), à
indeterminação moderna que chega a um resultado da mesma natureza
por meio de um pequeno número de prescrições negativas. Sem tratar aqui
o problema a fundo, indicaremos rapidamente em que sentido deve ser
procurada a resposta.
Uma conclusão foi imediatamente extraída do estudo das formas
simples da troca generalizada, a saber, que estas formas, mantidas em
estado simples, não são viáveis." A troca generalizada conduz à aniso-
gamia, isto é, os participantes dos grandes ciclos intercambiantes adqui·
rem progressivamente - e em razão da própria fórmula da troca -
diferenças de condição, e só podem receber como cônjuges parceiros que
ocupam um lugar superior ou inferior na hierarquia. Lembramo·nos que
o aparecimento desta fase critica é ainda comprovada no que respeita à


  1. Cf. capo XXVII; separamo-nos, portanto, da interpretação dualista proposta por
    Dumézil (Le Festin d'Immortalité, Annales du Musée Guimet, BibliotMque cj.'Etudes,
    t. 34, Paris 1924. p. 277).
    3l. Gernwnia, capo 18.

  2. Cf. capo XVI.


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