necemos uma ilustração, ao menos parcial, deste princípio quando anali-
samos o casamento dos primos cruzados Mas vemos como seu campo
de aplicação deve ser ampliado a todas as regras de parentesco, antes
de outra qualquer a esta regra universal e fundamental que é a proibição
do incesto, porque é o caráter total de todo sistema de parentesco (e
não há sociedade humana que não o possua) que faz a mãe, a irmã, a
filha serem, desde toda a eternidade, se assim é possivel dizer, serem con-
jugadas a eleme"tos do sistema que não têm com elas nem a relação de
filho, nem de irmão, nem de pai, porque estes individuos acham-se eles
próprios conjugados a outras mulheres, ou outras classes de mulheres,
ou elementos femininos definidos por uma relação de outra ordem J!:
porque o casamento é uma troca, porque o casamento é o arquétipo da
troca, é que a análise da troca pode ajudar a compreender esta solidarie-
de que une o dom e o contradom, o casamento aos outros casamentos
R Seligman contesta, é verdade, que a mulher seja o instrumento
único ou predominante da aliança' A autora invoca a instituição da fra-
ternidade de sangue, tal como se exprime pela relação de henamo entre
os indigenas da Nova Guiné A instauração da fraternidade de sangue
cria, com efeito, um laço de aliança entre os individuos, mas ao mesmo
tempo, equlparando os interessados a irmãos, acarreta a proibição do
casamento com a irmã Não nos passa pela cabeça pretender que a troca
ou o dom das mulheres seja nas sociedades primitivas o único meio de
estabelecer a. a,liança. Mostramos em outro lugar como, entre alguns gru-
pos indígenas' do Brasil, a comunidade podia exprimir-se ao mesmo tempo
pelo termo "cunhado" e pelo termo "irmão". O cunhado é o aliado, o
colaborador, :0: amigo. J!: o nome que se dá aos homens adultos do grupo
com o qual foi contraída a aliança. Quando se trata, no interior do mesmo
grupo, do cunhado potencial, isto é, do primo cruzado, é aquele com o
qual, quando adolescente, praticam-se brinquedos homossexuais, que dei-
xarão sempre um vestígio no comportamento mutuamente afetuoso dos
mais velhos.' Mas, ao mesmo tempo que utilizam a relação de cunhado,
os Nhambiquara sabem recorrer à noção de fraternidade. "Selvagem, não
és mais meu irmão!", exclama o individuo durante uma briga com alguém
que não é parente. Os objetos encontrados em forma de série, por exem-
plo, os barrotes da cabana, os tubos da flauta de Pan, etc., chamam-se
"irmãos" uns dos outros, ou são chamados "outros'· em suas relações
respectivas, detalhe terminológico que merece ser aproximado da obser-
vação de Montaigne segundo a qual os indios brasileiros, encontrados por
ele em Rouen, chamavam os homens "metades" uns dos outros, assim
como nós dizemos "nossos semelhantes", 111 Mas vemos também a dife-
" rença que há entre os dois tipos de vinculos, a qual será definida de
maneira suficientemente clara se dissermos que um desses tipos verifica
uma solidariedade mecânica (irmão), enquanto o outro Invoca uma so-
lidariedade orgânica (cunhado ou compadre). Os irmãos são próximos
uns dos outros, mas são tal por sua semelhança, assim como as estacas
ou os tubos das flautas. Ao contrário, os cunhados são solidários porque
se completam e possuem, um para o outro, uma eficácia funcional, quer
- B. Z. Seligman, The Incest Taboo as a Social Regulation. The Sociological Retnew,
voI. 27. 1935. - La Vie tamiliale et sociale des Indiens NambikwaraJ op. cito
- Essais, livro I, capo XXXI (Des cannibales).
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