Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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CAPiTULO 1II


o Universo das Regras


Se a raiz da proibição do incesto está na natureza, entretanto é apenas
por seu termo, isto é, como regra social, que podemos apreendê-la. De
um grupo a outro manifesta extrema diversidade, tanto no que~ se re-.
fere à forma quanto ao campo de aplicação. Muito restrita em nossa
sociedade, chega a requintes quanto aos graus de parentesco mais afas-
tados em certas tribos norte-.americanas. l1: inútil acrescentar que, neste
último caso, atinge menos a consangüinidade real, freqüentemente im-
possível de estabelecer·se, embora não exista, do que o fenômeno pu-
ramente social pelo qual dois individuos sem verdadeiro parentesco
acham-se classificados na classe dos "irmãos" ou das "irmãs", dos "pais"
ou dos "filhos". A proibição cOnfunde-.se, então, com a regra da exoga-
mia. As vezes também subsistem conjuntamente. Conforme foi muitas

. vezes observado, a exogamia por si mesma não bastaria para proibir a
aliança de uma mãe com seu filho, em uma sociedade de regime patri-
linear, ou do pai com a filha, em uma sociedade matrilinear. Mas em
muitos casos é a regra de exogamia ou o sistema de parentesco que
decidem, sem levar em conta as conexões reais, postas de lado as do
primeiro grau. A mesma lei, que, no casamento entre primos cruzados,
equipara um grupo de primos coirmãos a irmãos e irmãs entre si, faz
da outra metade desses mesmos primos coirmãos esposos potenciais. O
mesmo sistema, e também outros, vê na aliança do tio materno com a
sobrinha, e mais raramente da tia materna com o sobrinho, tipos de
casamentos muito recomendáveis e às vezes prescritos, ao passo que uma
pretensão análoga da parte do tio paterno ou da tia materna suscitaria
o mesmo horror que o incesto com os pais, aos quais estes colaterais
são igualados. Observou-se freqüentemente que vários códigos contempo-
rãneos tinham esquecido de inscrever um ou outro dos avós, e às ve-.
zes os dois, no registro dos graus proibidos. Esta lacuna explica·se pela
grande improbabilidade de uniões desse tipo nas sociedades modernas,
mas entre os australianos, tão minuciosos em outros aspectos, e em cer-
tas tribos da Oceãnia, este tipo de união não é inconcebível, embora
outras, que implicam um parentesco menos aproximado, sejam especifi-
camente proibidas. A proibição do Incesto por conseguinte não se exprime
sempre em função das regras de parentesco real, mas têm por Objeto
sempre os individuos que se dirigem uns aos outros empregandO cer-
tos termos. Isto continua verdadeiro, mesmo nos sistemas da Oceãnia que
permitem o casamento com uma "irmã" por classificação, mas distinguem


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