,
põem em evidência os sistemas de equivalências psicofislológicas do peno
samento indígena: "O alimento é a fonte das emoções mais intensas, for·
nece a base de algumas das noções mais abstratas e das metáforas do
pensamento religioso... para o primitivo, o alimento pode tornar·se o
simbolo das experiências espirituais mais altas e a expressão das rela·
ções sociais mais essenciais". 18
Examinemos primeiramente o caráter de escassez. .Existe um equi·
librio biológico entre os nascimentos masculinos e femininos. Exceto nas
. sociedades nas quais este equilibrio é modificado pela intervenção dos
costumes, todo indivíduo macho deve portanto ter uma possibilidade, que
se aproxima de uma probabilidade multo alta, de encontrar uma esposa.
.5erá...possível, nessas condições, falar das mulheres como de um bem es·
cassa,.cuja .distribuição exige a intervenção coletiva? É difícil responder
a esta pergunta sem levantar o problema da pOligamia, cuja discussão
excederia demais os limites deste trabalho. Vamos nos limitar, portanto,
a algumas considerações rápidas, que constituirão menos uma demons·
tração do que a indicação sumária da posição que nos parece ser a mais
sólida nesta matéria. Desde alguns anos a atenção dos etnólogos, sobre-
tudo dos que admitem a interpretação difusionista, foi atraída pelo fato
da monogamia parecer predominante nas sociedades cujo nível econô-
mico e técnico aparece, sob outros aspectos, como o mais primitivo.
Desta observação, e de outras semelhantes, estes etnólogos tiraram con·
clusões mais ou menos aventurosas. Segundo o padre Schmidt e seus
alunos, seria preciso ver ai o sinal de uma maior pureza do homem nessas
fases arcaicas de sua existência social. Segundo Perry e Elliot Smith,
estes fatos atestariam a existência de uma espécie de Idade de Ouro
anterior aO descobrimento da civilização. Acreditamos que se pode con·
ceder a todos esses autores a exatidão dos fatos observados, mas que a
conclusão a tirar é diferente. São as dificuldades da existência cotidiana
e o obstáculo que criam para a formação dos privilégiOS econômicos
(a respeito dos quais percebe·se facilmente que, nas sociedades mais evo-
luídas, constituem sempre a infra·estrutura da poligamia) que limitam,
nesses níveis arcaicos, o açambarcamento das mulheres em proveito de
algun.s., A pureza de alma, no sentido da Escola de Viena, nada tem a
ver por conseguinte com o que chamariamos de bom grado, em vez
de monogamia, uma forma de poligamia abortada. Porque, tanto nessas
sociedades quanto nas que sancionam favoravelmente as uniões pOlígamas
e quanto na nossa própria, a tendência é no sentido da multiplicação
das esposas. Indicamos acima que o caráter contraditório das informa·
ções relativas aos costumes sexuais dos grandes macacos não permite
resolver, nO plano animal, o problema da natureza inata ou adquirida
das tendências polígamas. A. observação social e biOlógica concorre para
~ugerir que estas tendênCÍás são naturais e universais ,no homem. e que
somente as limitações nascidas do meio e da cultura são responsáveis
pelo recalcamento delas." Aos nossos olhos, portanto, a monogamia não
é uma instituição positiva, mas constitui somente o limite da poligamia
em sociedades onde. por motivos muito diversos, a concorrência econo.
mica e social atinge forma aguda. O fraco volume da unidade social
18. A. Richards, Hunger and Work .. 0' p. 173-174.
19. G. S. Miller, loe. cito
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