as suas obrigações. A pluralidade das mulheres é portanto ao mesmo
tempo a recompensa do poder e o Instrumento deste.
Levemos a análise um pouco mais longe. Se os Nhambkwara tives-
sem combinado sua regra de casamento entre primos cruzados bilate-
rais I com estrita monogamia, encontraríamos entre eles um sistema de
reciprocidade perfeitamente simples, simultaneamente do ponto de vista
qualitativo e do ponto de vista quantitativo. Quantitativamente, porque
o sistema garantiria aproximadamente uma esposa para todo homem, e
qualitativamente, porque esta garantia geral resultaria de uma rede de
obrigações recíprocas, estabelecida segundo o plano das relações indi-
viduais de parentesco. Mas o privilégio polígamo do chefe vem subverter
esta fórmula ideal, dando em resultado, para cada Indivíduo, um ele-
mento de Insegurança que de outro modo nunca teria aparecido. Qual
é pois a origem do privilégio e qual é seu significado? Ao reconhecê-lo,
o grupo trocou os elementos de segurança individual, que se ligam à regra
monógama, pela segurança coletiva, que decorre da organização polltica.
Em forma de filha ou de irmã, cada homem recebe sua esposa de ou-
tro homem, mas o chefe recebe várias esposas do grupo. Em compen-
sação, oferece uma garantia contra a necessidade e o perigo, não certa-
mente aos Individuos particulares com cUjas innãs ou filhas se casa,
nem mesmo àqueles que o exercício do direito polígamo, que detém,
condena, talvez definitivamente, ao celibato, mas ao grupo considerado
enquanto grupo. Porque é o próprio grupo que suspendeu o direito co-
mum em seu proveito.'
A poligamia não contradiz, portanto, a exigência da distribuição eqüi-
tativa das mulheres, mas apenas superpõe uma regra de distribuição a
outra. Com efeito, monogamia e poligamia correspondem a dois tipos de
relações complementares, a saber, de um lado, o sistema de auxilios pres-
tados e de auxilios recebidos que liga entre si os membros Individuais
do grupo; de outro lado o sistema de auxilios dados e recebidos, que
liga entre eles o conjunto do grupo e seu chefe. Este paralelismo pode
tornar-se tão transparente que nas ilhas Trobriand, por exemplo, o chefe,
recebendo uma mulher de todos os subciãs, é tratado como uma espé-
cie de "cunhado universal". A finalidade pOlítica e a prestação do tri-
buto não são mais do que um caso particular da relação especial que
nessa região do mundo estabelece uma obrigação entre o irmão da mu-
lher e o marido de sua irmã. S
Além disso, na proibição do Incesto só consideramos o aspecto mais
somário, o da regra enquanto regra. Considerada por este ângulo, não
fornece ainda a solução do problema, mas estabelece somente uma me-
dida preliminar, por si mesma desprovida de fecundidade, a qual po-
rém é a condição das medidas ulteriores. Em suma, afirma que não é
com base em sua distribuição natural que as mulheres devem receber
seu uso social. Falta, portanto, definir qual é essa base. Tomando de
empréstimo uma expressão famíliar à regulamentação moderna (mas de
- Para a definição desta regra do casamento e seu estudo teórico, veja adiante
o capitulo IX. - C. Lévi·Strauss. The Social and Psychological Aspect of Chieftainship in a Primi-
tive Tribe: the Nambikwara oI Western Mato Grosso, Transactions 01 the New York
Academy 01 Sciences, séries 2. voI. 7, n. 1, p. 16-32. - B. Malinowsk.i, The Sexual Lile of Savages in North-Western Melanesia. Lon-
dres 1929, p. 131·132.
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